José Lima Massano, ministro de Estado da Coordenação Económica e um dos sábios permanentes da economia angolana, veio dar, mais uma vez, uma explicação inadequada sobre a inflação persistente e quase galopante que se vive em Angola (actualmente, 30,16%). Para Massano, nunca a culpa da subida de preços é das autoridades angolanas. É sempre devida a factores externos.

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Agora, informa Massano, a inflação deve-se ao facto de a “importação dos bens alimentares implica[r] que os seus preços no mercado interno sejam determinados com base em vários factores, (…) fora do nosso controlo, como por exemplo os seus preços nos mercados internacionais, os custos do transporte, a taxa de câmbio e as capacidades dos importadores”, explicitando que a rubrica dos” bens alimentares tem um peso no Índice de Preços no Consumidor elevado, de cerca de 55,7%, significando que a variação do preço dos alimentos no nosso país influencia significativamente a taxa de inflação”.

Resumidamente, Massano atribui a alta de preços às importações de bens alimentares, e aponta como solução a produção nacional desses mesmos bens.

Na verdade, no dia em que a afirmação de Massano foi tornada pública, foram também publicados dados do Instituto Nacional de Estatística que demonstram precisamente o contrário: são os produtos nacionais que mais contribuem para o aumento de preços no mercado grossista, tornando claro que não existe uma relação causa-efeito entre importação e aumento de preços.

Aliás, a tese de Massano tem em si mesma um erro de raciocínio: se, porventura, explicaria um pouco mais de metade da subida de preços, não apresenta razões para os restantes 45%.

Contudo, há que fazer um exercício mais aprofundado para confirmar ou rejeitar a teoria – é de mera teoria que se trata, e não de um exercício estatístico ou fundamentado em dados factuais – de Massano.

Em traços muito gerais, é possível descrever a dinâmica da importação de bens alimentares em Angola. Segundo Massano, a importação de alimentos por parte de Angola assenta essencialmente em arroz, açúcar, carne de frango, trigo e óleo alimentar. Analisemos, a título de exemplo, o arroz, um dos bens mais consumidos em Angola, quase totalmente importado pelo país (mais de 90%).

Em Junho do ano passado, o preço do arroz estava em 15,5 $US por cem quilos nos mercados internacionais, agora está em 18 $US, incorporando uma subida abrupta no Verão passado devido a uma restrição imposta pela Índia, um dos produtores de referência mundial. Portanto, num ano de forte pressão directa, o arroz subiu cerca de 16%, ou seja, metade do valor da subida dos preços em Angola, que é de aproximadamente 30%.

Através de uma abordagem mais geral, e tendo em conta o Índice da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) que avalia uma cesta básica de alimentos a nível mundial, o que se verifica é que, em Maio deste ano, o índice se manteve 3,4% abaixo do valor correspondente de há um ano e 24,9% abaixo do pico de 160,2 pontos alcançado em Março de 2022. Portanto, havendo uma oscilação nos preços dos bens alimentares nos mercados internacionais, não existe qualquer subida permanente e constante desses preços que seja responsável directa e exclusivamente pela inflação em Angola. Pelo contrário, há uma descida desde Março de 2022. Estes números são suficientes para demonstrar que Lima Massano se enganou. A sua explicação não serve.

É em Angola, na incapacidade das suas autoridades e na debilidade das suas estruturas de mercado, que tem de ser encontrada a resposta. A inflação em Angola é um problema interno, fundamentalmente monetário e fruto da estrutura de mercado.

Percorrendo as estatísticas do banco central (BNA), como já fizemos várias vezes, verificamos o óbvio: entre Dezembro de 2022 e Dezembro de 2023, o indicador M2, que representa a moeda e quase moeda disponível na economia angolana, aumentou de 11.355.540 milhões de kwanzas para 15.643.949 milhões de kwanzas. Bem se vê que é um aumento brutal do dinheiro disponível na economia, que só pode ter como resultado, passado um determinado prazo, a subida dos preços. Adicionalmente, a partir de 2024, o M2 continua a subir, situando-se em 15.845.284 milhões de Kwanzas em Maio de 2024. Isto é, o grande empurrão para a inflação foi dado durante o ano de 2023, mas neste momento continua a não se fazer uma travagem a fundo, o que provavelmente resultará na continuação da subida da inflação.

Além do mais, há um problema estrutural que se mantém em Angola, que é o facto de as empresas, na sua maior parte, operarem sem concorrência ou com pouca concorrência, dependendo de favores políticos ou debaixo de patrocínio político. Nessa medida, conseguem criar condições de monopólio ou de quase-monopólio, em que fixam os preços sem interacção no mercado livre. Falando de forma simplista, sendo donas do seu pedaço, as empresas oligopolistas de Angola fazem o que querem e estabelecem o preço que querem.

Continuamos fortemente convencidos de que a inflação permanente em Angola se deve a estes dois factores: a expansão monetária exagerada e a estrutura oligopolista da maior parte dos mercados. Por isso, teremos sempre de contestar as afirmações insustentadas de Lima Massano.

Lembremo-nos um pouco da história, não para estabelecer paralelos, que dificilmente são verificáveis, mas para perceber tendências. A Revolução Russa de 1917 que derrubou o czar teve na sua génese imediata uma subida abrupta dos preços. Essa subida abrupta dos preços levou a que as pessoas saíssem à rua e começassem distúrbios. Quando o exército se juntou à população e apoiou a sua causa, o fim do czar ficou traçado. O gatilho da Revolução Russa de 1917 foi a inflação.

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