«ANGOLA É RECORDISTA ABSOLUTA NO USO DA CRIMINALIZAÇÃO DO JORNALISMO» – ANGELA QUINTAL CPJ

Na semana do “Dia da Liberdade de Imprensa”, que se assinala neste sábado, 03, Angela Quintal lamenta a existência de leis, no País, que criminalizam a actividade jornalística, com vista a inibir a classe. Considera oportuno pressionar o Executivo para a revogação desses diplomas.
A directora regional do Comité de Protecção dos Jornalistas, Angela Quintal, lamenta o elevado número de fazedores de notícias com casos em tribunais, sublinhando que “Angola é recordista absoluta no uso da criminalização do jornalismo”.
Ao Novo Jornal, a também jornalista justifica que “o que leva Angola a aparecer constantemente no topo dos países da SADC em termos de criminalização da actividade jornalística é, precisamente, o uso da difamação frequente contra os profissionais, o que é prejudicial para a liberdade de imprensa”.
Angela Quintal recorre a exemplos de países como Zimbabwe, África do Sul e Lesotho, que já revogaram as leis que criminalizavam o jornalismo. Acrescentou que estes países tomaram tal decisão porque havia casos em que os tribunais declaravam que a criminalização do jornalismo era inconstitucional, por chocar com a liberdade de imprensa, contemplada nas constituições dos países democráticos.
Em declarações à Lusa, a coordenadora do programa para África daquela organização não-governamental, Angela Quintal, disse que seria de esperar que as autoridades angolanas já estivessem esclarecidas sobre os direitos dos jornalistas e o direito à informação.
“Dado que a liberdade de expressão está constitucionalmente consagrada em Angola, eles devem ter autorização para fazer o seu trabalho sem medo de represálias”, afirmou a responsável, acrescentando que têm sido feitos vários apelos ao longo dos anos para que a atuação da polícia mude.
O caso acontece no último dia de uma missão de uma semana da CPJ em Angola, com o objetivo de sensibilizar as autoridades angolanas para porem fim à criminalização da difamação.
“Desde 2016, documentámos pelo menos 25 jornalistas que enfrentaram acusações criminais de difamação”, afirmou, indicando que há pelo menos um jornalista que foi alvo de 117 processos.
“Vemos a difamação criminal como uma forma de silenciar jornalistas em Angola”, prosseguiu Angela Quintal, lembrando que a própria União Africana (atualmente presidida por Angola) tem defendido a descriminalização da difamação, tal como outros países africanos.
“Já se passaram 50 anos desde a independência de Angola, é altamente irónico que uma lei colonial ainda esteja a ser aplicada pelo governo de Angola, 50 anos após a liberdade, após a independência”, frisou, sublinhando que existem outras formas, como a autorregulação ou os processos cíveis.
Angela Quintal abordou também o projeto de lei sobre ‘fake news’ que o governo quer apresentar na Assembleia Nacional, o qual prevê criminalizar a disseminação de informações falsas na internet com penas entre um e dez anos de prisão, para travar a propagação de notícias falsas nas redes sociais.
“O que vimos na proposta de lei é motivo de grande preocupação. É realmente alarmante”, salientou a responsável da CPJ, considerando que algumas das disposições são draconianas e que, se for aprovada, a lei vigorará em período de eleições, previstas para 2027.
“O que vai acontecer é que a imprensa será silenciada. Desde o aumento das multas até ao facto de que alguns meios de comunicação podem ser fechados por causa de supostas notícias falsas”, apontou, referindo que estas disposições não deveriam ser aplicadas.
“Temos visto isso em todo o mundo, não apenas em África. As leis sobre notícias falsas são frequentemente definidas de forma tão ampla que são usadas para reprimir a independência e o discurso crítico. E é por isso que estamos extremamente preocupados”, reforçou.
A Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA) considerou hoje que os profissionais do setor em Angola trabalham numa conjuntura económico-financeira “menos favorável”, que afeta, em grande medida, a sua capacidade de produção e de cobertura jornalística.
A ERCA, na sua mensagem alusiva ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, que se assinala no dia 03 de maio, saúda os profissionais da comunicação social angolana pela sua “resiliência e capacidade de adaptação”, numa conjuntura económico-financeira “menos favorável, que afeta, em grande medida, a capacidade de produção e de cobertura dos factos por muitos órgãos”.
O regulador refere que todos os profissionais da comunicação social, independentemente do seu estatuto, são chamados a trabalhar nos marcos legais, para a salvaguarda dos direitos dos cidadãos a uma informação objetiva, isenta e imparcial.
Apela para a necessidade de se prestar atenção aos problemas da atualidade, “atrelados” ao advento das novas tecnologias de informação e comunicação, tais como a “informação falsa, a desinformação e o discurso do ódio, que se disseminam com alguma facilidade nas plataformas digitais”.
É aos média tradicionais que cabe a responsabilidade de “desencorajar e contrariar essa tendência nociva dos dias correntes”, promovendo o debate público, através da difusão de factos verídicos, contados com clareza e relatados de acordo com os princípios da ética e envolvendo todos os atores dos factos a relatar, refere-se na mensagem.
“Impacto da Inteligência Artificial na Liberdade de Imprensa e nos Meios de Comunicação Social” é o lema das celebrações do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa 2025, como recorda a ERCA, considerando que “o exercício pleno das liberdades de expressão, de informação e de imprensa, consagrados na Constituição angolana, representa um compromisso do Estado angolano” com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A ERCA defende igualmente que não obstante os avanços tecnológicos que se observam, com enfoque na Inteligência Artificial, “é imperioso que, no exercício da sua nobre missão, os profissionais dos média não se deixem substituir pelas novas tecnologias por mais avançadas que se apresentem”.
Encoraja ainda a classe profissional angolana a cumprir escrupulosamente o Estatuto dos Jornalistas, o Código de Ética e Deontologia e implementar os Conselhos de Redação, “enquanto mecanismos de autorregulação e como fator de equilíbrio nas relações entre profissionais e o patronato”.