VOTAÇÃO DA COMISSÃO EVENTUAL PARA O PROCESSO DE DESTITUIÇÃO DO PR – LEANDRO FERREIRA

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Ter a Assembleia Nacional passado à votação sem ter concebido previamente uma resolução e sujeitando-a ao Plenário é, a meu ver, não só ilegal, como até inconstitucional. Parece-me, igualmente, que a votação aberta (mão levantada) e não secreta contende com o sentido e alcance da necessidade de secretismo fixado ao processo de votação de actos desta natureza, conforme refere o artigo 159.º do Regimento. Apesar de a redacção ser susceptível de ser interpretada em dois sentidos antagónicos, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei mas reconstituir o pensamento legislativo, harmonizar-se ao sistema legislativo e possuir uma lógica de sentido que seja constitucionalmente congruente (além do artigo 9.º, CC, deve considerar-se a hermenêutica constitucional convocável ao assunto). Nesse aspecto, a interpretação da norma do Regimento e, até mesmo, o bom senso, permitiriam compreender que o temor que se espera evitar com a votação secreta na deliberação final se estende a todas as fases do processo, por ser claramente perceptível que os deputados não querem expor publicamente eventuais desalinhamentos, tanto na votação prévia da comissão eventual, como na integração dos seus nomes nessa comissão, ou ainda na votação final sobre a destituição. Concluir que a votação tenha de ser por mão levantada não foi o resultado mais correcto, a meu ver.

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Por via da decisão tomada, escapou-se igualmente ao problema da ausência de legislação que regule o processo de destituição a nível da justiça (ou até mesmo a especificidades do processo que conduz à elaboração do relatório-parecer). Ante à sua particularidade, a legislação criminal parece não totalmente compatível com esta natureza de processo, para o seu decurso no Tribunal Supremo, ainda que com recurso ao Código de Processo Penal. A situação é mais grave no Tribunal Constitucional, onde existe um vazio sobre o assunto, não se prevendo sequer a espécie processual para destituição do PR na Lei do Processo Constitucional.

A legislação deixa depois dúvidas sobre quem deverá assumir a condução do processo quando estiver no Tribunal. No Supremo, será o M.º P.º, titular da acção penal, a desenvolver a acção, quando não se pretende a responsabilização criminal? E assumirá a demanda a nível do Tribunal Constitucional? A legislação tem de resolver urgentemente esses vazios normativos e talvez não fosse de desconsiderar a necessidade de aprovação prévia e urgente de normas que regulem essa matéria da destituição.

Preocupa-me ainda o paradoxo que parece resultar da leitura do texto constitucional, pois não me parece claro que a Constituição tivesse pretendido inserir um novo procedimento deliberativo (referente à Comissão Eventual) no mero exercício da iniciativa parlamentar para a destituição do Presidente da República, ao abrigo do que está descrito no n.º 5 do artigo 129.º. Esse resultado só se consegue com um esforço e conexão interpretativa ao que se prevê na alínea c) do artigo 160.º e na alínea f) do artigo 166.º. Sendo este, em Angola, um processo de natureza judicial e não político (vide Leandro Ferreira, A boa governação…, p. 318), a assumpção da iniciativa pela Assembleia Nacional devia bastar-se com o respeito pelos formalismos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 5 do artigo 129.º, CRA. A eleição de uma comissão eventual para o tratamento desta matéria limita ab initio todo o processo e adita um acto deliberativo condicionante, não expressamente previsto no n.º 5 do artigo 129.º. A manter-se esse quadro, no fim, a figura da destituição só será praticável num contexto em que o Presidente da República não tem maioria parlamentar; entretanto, nesta altura, de nada servirá a figura, pois o Presidente já terá enfrentado uma crise parlamentar que certamente o leva à auto-demissão prevista no artigo 128.º, como seria o caso de os orçamentos não serem aprovados. Para que serve então a figura da destituição se ela não permitir que a Assembleia Nacional possa discutir e explorar as matérias citadas pelo requerente, uma vez que o processo tanto visa a destituição, como a reposição do Estado Constitucional alegadamente em risco? A Constituição não pode ter paradoxos e contradições tão profundos. É preciso desconstruir estas amarras, para que os institutos estejam ao serviço da sua efectiva finalidade, a de assegurar a normalidade constitucional, ou a sua reposição.

Talvez a solução passe por a legislação permitir a recepção do requerimento, a remessa imediata a uma das comissões especializadas já constituídas e funcionais (escolhida/as em função da afinidade das matérias objecto da acusação), a quem competisse o tratamento e discussão da matéria, bem como a produção do relatório parecer e, por fim, era submetida a resolução ao Plenário para a deliberação sobre o prosseguimento ou recusa da acusação (evitava-se desse modo o constrangimento de os deputados verem involuntariamente o seu nome indicado para constar da lista de membros da Comissão que vai apreciar a destituição do PR). É exactamente o mesmo que tenho defendido em relação às Comissões Parlamentares de Inquérito, que, enquanto forem sujeitas a um procedimento prévio deliberativo de aprovação, não se bastando apenas com a mera assinatura de um determinado número de deputados, continuarão a ser uma miragem no nosso cenário político. E isso, certamente, num caso e noutro, não é bom para construir uma democracia.

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