O CASO DE CORRUPÇÃO NO TRIBUNAL SUPREMO – ISMAEL MATEUS
A opinião pública continua a receber notícias sobre o envolvimento do presidente do Tribunal Supremo em casos de corrupção. Sucedem-se semanas após semanas notícias a denunciar casos de corrupção, nepotismo, venda de sentenças nos tribunais.
Enquanto tais notícias são publicadas, sem a mínima reacção das instituições públicas, incluindo a Procuradoria-Geral da República (PGR), que havia anunciado a abertura de um inquérito, e do Conselho Superior da Magistratura Judicial, os órgãos disciplinares dos juízes.
Enquanto isso, o acusado continua oficialmente em funções não só como presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Superior da Magistratura Judicial, mas também como a mais alta figura representativa da justiça angolana.
Não é da nossa competência considerar se o juiz Joel Leonardo é ou não culpado do que vai acusado. Como todos os angolanos, goza da presunção de inocência. No entanto, a persistência das acusações e a proeminência da figura acusada causam em si um estrago muito sério na imagem da Justiça e mesmo do nosso Estado de Direito.
Bastante mediatizadas, estas notícias têm vindo a ferir a honra dos magistrados angolanos, mas também a colocar em dúvida a dimensão dos actos de má-conduta e corrupção na administração da Justiça.
Estes factos agravaram seriamente as percepções negativas sobre a corrupção, nepotismo, favorecimento e opacidade entre os juízes angolanos
Ao arrastar-se dia após dia essa situação de “paz podre”, aprofunda-se igualmente a ideia de que os diferentes órgãos do poder do Estado nada fazem para diluir estas visões negativas que também existem na sociedade sobre o impacto na imagem da Justiça.
Curiosamente, o desfecho e a actuação pública das autoridades num caso semelhante, o caso do Tribunal de Contas, acentua grandemente a desconfiança sobre a possibilidade de arranjos políticos e corporativos para a manutenção do presidente do Tribunal Supremo no caso.
Mesmo que o tempo dos órgãos de Justiça ainda não seja este, na sociedade de informação que vivemos, a imagem, a credibilidade e reputação da Justiça estão irremediavelmente atingidas e, sendo culpado ou não, a sua permanência no cargo não é benéfica para o respeito e seriedade que devemos ter para com as instituições e figuras do Estado angolano.
Para além do evidente desconforto dos juízes, que observam a sua máxima figura envolta em escândalos de delito comum, o silêncio das instituições em relação a todo o processo do Tribunal Supremo gera também um clima de grande desconfiança sobre a principal campanha política do país, a luta contra a corrupção e a impunidade. Ao assumir o poder, o Presidente João Lourenço resolveu enfrentar a corrupção e decidiu desenvolver uma campanha fundamentalmente baseada na acção dos tribunais. Por todo o país, o movimento anticorrupção tem significado o julgamento de desvios de conduta de gestores públicos de todo o otipo, de administradores municipais a antigos ministros. A seriedade e o significado político de toda a campanha ficam duramente postos em causa se sobre os tribunais angolanos, que foram o vértice de toda a acção, se criar a ideia de que é a barganha de sentenças, a apropriação indevida dos bens dos réus e ou mesmo de que há entre os juízes um sentimento de impunidade. A dimensão da crise ultrapassa a imagem do sistema de Justiça. Está em causa todo o Estado de Direito.
Uma sociedade que não tenha plena confiança no seu sistema de Justiça não tem condições mínimas para reconhecer a administração da Justiça como o fiel da balança no exercício dos direitos e deveres dos cidadãos.
Não há conveniências políticas nem corporativas que justifiquem tamanho sacrifício que se pede à nossa sociedade. Não se pode sacrificar todo um Estado de Direito tão duramente conquistado por erros de ordem pessoal.
Insistimos que os erros a que nos referimos nada têm a ver com qualquer afirmação de culpa do juiz Joel Leonardo, mas se referem à condução de todo este processo, ao ponto de agora já não estar em causa a sua culpabilidade ou não, mas a imagem que fica de todo o sistema de Justiça e da qualidade e seriedade do nosso Estado de Direito.
E aqui chegados, a pergunta é: a quem interessa manter essa paz podre da Justiça?
Na nossa modesta posição, não conseguimos descortinar uma única entidade que ganhe com a manutenção da situação actual no Tribunal Supremo, nem mesmo para o próprio juiz Joel Leonardo, que assim está a ser alvo de um julgamento na praça pública sem hipótese de defesa ou do Presidente da República que, como acima dissemos, vê as suas reformas postas em causa por impunidade dos juízes e descrédito dos tribunais.
Mais valia uma acção célere para credibilizar o sistema e voltar a conquistar a confiança dos cidadãos. Com as notícias que correm todos os dias, ninguém acredita que se faça uma justiça justa e equilibrada, sem michas e sem negociações por baixo da mesa. JA