A ESCOLHA DO PGR: ENTRE O ROTO, O NU E A ESPERANÇA

0

Para a recente nomeação do novo procurador-geral da República (PGR), o presidente tinha ao seu dispor três opções: o nu, de que já vimos tudo, o roto, de que víramos apenas uns pedaços, e a esperança, que abria novos caminhos e possibilidades.

O presidente da República (PR) escolheu o nu, o general Hélder Pitta Groz. Há 21 anos que o cargo de PGR é entregue a um general. Já parece tradição.

Em cinco anos de combate à corrupção, o general Hélder Pitta Groz teve o mérito de obter apenas uma condenação relevante com trânsito em julgado (Augusto Tomás). Sobre ele não há nada a esconder. Possivelmente, o presidente da República julga que melhor é impossível. Triste engano. Só é possível melhor.

João Lourenço insiste em não seguir as votações dos Conselhos e nunca opta por aquele que tem mais simpatia colegial, retirando significado a estas eleições. O Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público (CSMMP) escolheu Inocência Maria Gonçalo Pinto para PGR, com 11 votos, enquanto, o general Pitta Groz e o seu então vice-PGR, Mouta Liz, obtiveram o mesmo número de votos (10) na disputa pelo segundo lugar.

Sabemos que a Constituição Imperial e legislação afim conferem ao PR poderes absolutos para ignorar a vontade eleitoral. Mas, depois do seu extraordinário fiasco na nomeação do segundo mais votado para presidente do Tribunal Supremo (TS), Joel Leonardo, esperava-se alguma prudência. Em 2019, o CSMMP elegera Joaquina do Nascimento para presidente do TS, com oito votos, mas o general Lourenço preferiu o então coronel na reserva Joel Leonardo, que obtivera seis votos. Depois, promoveu Joel Leonardo a brigadeiro e terá criado um monstro que devora a honra, a probidade e integridade moral, assim como qualquer sentido de bom senso e de aplicação da justiça. O fomento da injustiça e da corrupção servem sempre como dois dos principais alicerces para a opressão e o empobrecimento de um povo.

Trata-se, também, da militarização dos principais órgãos judiciais.

Assim, o PR, além de desvalorizar o voto dos pares magistrados, desvaloriza os actos eleitorais, e coloca nos seus próprios ombros a responsabilidade das escolhas. Tudo o que corra mal também lhe é assacável.

A título de exemplo, o Regulamento Eleitoral para a Provisão dos Cargos de PGR e Vice-PGR, aprovado pelo CSMMP, violou os termos da Lei 31/22 de 30 de Agosto, nos artigos 238º e seguintes. A referida Lei estabelece, no artigo 239º, um período de 15 dias para a apresentação de reclamações ao acto eleitoral, a contar da data da publicação em Diário da República, da notificação ou da data em que o interessado tomar conhecimento.

Ora, o CSMMP, presidido pelo general Hélder Pitta Groz, fixou apenas 24 horas para a apresentação de reclamações, ao contrário dos 15 dias exigidos por lei. As eleições tiveram lugar a 21 de Abril passado, uma sexta-feira. Como o principal zelador da legalidade no país – o PGR e presidente do CSMMP – bem sabe, não se praticam actos administrativos aos sábados, domingos e feriados, nos termos da lei.

Desse modo, o PR atropela normas legais elementares, com total descaso para a meticulosidade jurídica que se exige para a nomeação do principal zelador da legalidade no país. Se nem a nomeação do PGR decorre sem violações à lei, como podem os cidadãos acreditar na possibilidade de realização da justiça em Angola? Como podem os cidadãos dar o seu voto de confiança ao PR e acreditar nas palavras do PGR, que dá o dito pelo não dito.

Tudo pode correr mal. O mandato do novo (velho) PGR é limitado. De acordo com a Constituição, durará pouco mais de três anos. É um PGR a prazo, logo, sem autoridade.

Eventualmente, apenas se perseguirão administradores municipais ou directores nacionais, na administração de Lourenço, deixando de fora governadores e ministros. A luta contra a corrupção continuará a ser um mito desfeito pela inoperância. E no final a culpa nunca será do PGR, mas de João Lourenço, que insistiu na sua escolha.

Já que Pitta Groz se mantém, é fundamental que explique à sociedade qual será o seu programa de reformas. Não pode limitar-se a ocupar o cargo exercendo o seu poder e não prestando contas a ninguém.

Esse programa de reformas deve incluir, obrigatoriamente, a separação dos cargos de presidente do CSMMP e da PGR.

O mais trágico de tudo isto é o perfil que Lourenço revela nesta sua decisão. O presidente não é conservador, nem reformista. Não manteve o regime de Eduardo dos Santos, nem o reformou. Não é um ditador profissional como foi Santos, nem um democrata, mas um amador que aposta numa condução errática dos temas. Estamos numa situação com o caldo perfeito para acabar mal.

Há o sério risco de João Lourenço acabar só. Muito só. Os que gostariam de voltar ao passado nem querem ouvir falar dele. Os que sonhavam com um futuro risonho acumulam frustrações e também não querem ouvir falar dele. Como tem referido a direcção do Maka Angola, João Lourenço “desistiu de Angola e dos angolanos”.

Todavia, os angolanos não devem desistir do sonho colectivo por uma Angola melhor. A teimosia no erro e o poder de um punhado de homens não se devem sobrepor ao sonho e à força da maioria. Basta que o povo aposte no conhecimento como a chave para a busca de soluções que ultrapassem as discórdias habituais dos angolanos: a intriga, o partidarismo, o oportunismo individual em detrimento do bem-estar colectivo. Que seja feita justiça!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *