JOEL LEONARDO: OBVIAMENTE, DEMITA-SE
Existem dois factos reais, não sujeitos a interpretações diversas, que impõem o dever constitucional de Joel Leonardo apresentar a sua demissão como presidente do Tribunal Supremo.
O primeiro facto é que Joel Leonardo está a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), por suspeita de ter cometido vários crimes. O que determina a demissão de Joel não é o apuramento final se cometeu ou não os crimes. Sobre isso, goza da presunção de inocência e deverá ser sujeito a julgamento, se for o caso.
A necessidade de demissão resulta do mero facto de Joel estar a ser investigado. Não pode o presidente da mais alta instância judicial do país exercer funções quando se encontra sob investigação da PGR. Não é uma questão de direito, mas de dignidade institucional e de ordem constitucional. Retomemos o velho dito do antigo lord chief of Justice de Inglaterra, Lord Hewart: “A justiça não deve apenas ser feita, deve também ser vista a ser feita.” Ora, a segunda parte deste aforismo está perdida a partir do momento em que o presidente do Tribunal Supremo se encontra debaixo de investigação. Ao manter-se no posto, os cidadãos deixam inevitavelmente de acreditar que possa haver justiça no país. É a descredibilização da justiça na sociedade.
O segundo facto são as recentes derrotas no Tribunal Supremo de casos de iniciativa pessoal de Joel Leonardo — em concreto, os casos contra Agostinho Santos, juiz demitido, e Domingos Feca, funcionário demitido.
Em ambas as situações, um colectivo do Tribunal Supremo considerou as acções de Joel Leonardo ilegais.
Também aqui não se trata de uma questão de direito. Não é relevante, para a significação político-constitucional, se há recurso ou se as decisões são definitivas e executórias. O ponto não é jurídico, mas de imagem da dignidade funcional.
Estes dois factos têm suficiente peso político e institucional para colocar em causa a credibilidade da justiça e impor a demissão imediata do presidente do Tribunal Supremo.
A agravar esta situação, uma certa atmosfera de enlouquecimento parece ter tomado conta do Tribunal Supremo: fala-se de uma cultura de medo e perseguição; câmaras do Tribunal são constituídas num mês e extintas no mês seguinte para afastar supostos candidatos a presidente; reuniões plenárias quase se transformam em batalhas campais, pelo menos verbais. A dialéctica schmittiana do amigo-inimigo parece ter tomado conta das deliberações do augusto tribunal, tornando impossível lá trabalhar com a serenidade que se exige aos magistrados.
Face a isto, o que fazer caso Joel Leonardo insista, como parece estar a insistir, em agarrar-se a uma função que já não lhe pertence pela natureza das coisas?
A nossa opinião, ao arrepio de muito do que temos lido, é que o presidente da República, enquanto chefe de Estado e garante do normal funcionamento das instituições, tem o dever que retirar a confiança institucional a Joel Leonardo. Tomar essa atitude justifica-se face ao poder constitucional implícito no artigo 108.º, n.º 5 da Constituição, que atribui ao presidente da República o dever de promover e garantir o regular funcionamento dos órgãos do Estado. Note-se que não é só uma atitude passiva (garantia) que lhe é exigida, mas sim activa (promover).
É na promoção constitucional do regular funcionamento dos órgãos de Estado que se enquadra o poder presidencial de declarar a perda da confiança institucional em Joel Leonardo.
Mas antes, ou ao mesmo tempo, que o presidente da República aja, há um órgão que tem estado inexplicavelmente ausente, podendo dizer-se que está em omissão constitucional. Trata-se do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ). Era dever imperativo do CSMJ, aos primeiros alvores de notícias sobre eventuais comportamentos inadequados de Joel Leonardo, iniciar um processo de averiguações e, possivelmente, disciplinar sobre Joel. Neste momento, por cautela, Joel Leonardo já deveria ter sido suspenso. Tanto quanto é público, o CSMJ nada fez, nada faz. Está a prestar um péssimo serviço à justiça.
Possivelmente, a comunidade jurídica deveria dar um “empurrão” ao CSMJ e interpor uma acção de intimação para um comportamento, ou algo semelhante, de modo a obrigar o Conselho a iniciar um processo disciplinar contra Joel Leonardo.
Note-se que a omissão do CSMJ afecta também os seus membros. Muito facilmente, perante todas as denúncias públicas, se deduz que a omissão dos membros do Conselho poderá constituir um crime de denegação de justiça (artigo 348.º do Código Penal). De acordo com o Código Penal, deve ser castigado o magistrado (judicial ou do Ministério Público) que, no âmbito das respectivas competências, dolosamente se negue a administrar a justiça ou a aplicar o direito, ou cometa um crime de favorecimento pessoal (artigo 351.º do Código Penal), ou, depois da prática de um crime, preste auxílio a quem o praticou, impedindo, frustrando ou iludindo, no todo ou em parte, a actividade dos órgãos judiciários competentes.
Não é difícil argumentar que a presente falta de reacção por parte dos distintos conselheiros membros do CSMJ possa, na prática, preencher os requisitos dos crimes acima mencionados. Cada minuto em que não se age relativamente a Joel Leonardo – enquanto presidente do Tribunal Supremo, e não enquanto cidadão com os seus direitos constitucionais de defesa – é um minuto em que deixa a justiça angolana perder credibilidade face aos seus cidadãos e à comunidade internacional.