O CÚMULO DE ANGOLA: INFLUÊNCIA LIBANESA É GRANDE E SILENCIOSA

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Ao contrário dos chineses ou dos portugueses, que podem sempre contar com apoio diplomático, os empresários libaneses instalados em Angola correm em pista própria mas têm uma enorme influência na economia do país.

Chegaram, viram e venceram. É o que podem dizer os libaneses que desde 1988 começaram a franquear as fronteiras de Angola. Primeiro vieram sozinhos. O ‘trading’ era o que estava a dar porque havia falta de tudo. O mercado era propício ao sucesso de grandes negócios. Com o circuito de abastecimento alimentar então controlado pelo Estado completamente desarticulado, um verdadeiro cartel de empresas libanesas aproveitou as debilidades do sector e passou a controlar o fornecimento, por grosso, dos bens alimentares”.

Este retrato dos libaneses em Angola foi pintado pelo semanário Expresso, num artigo publicado em setembro de 2006. Volvidos 17 anos, a presença dos libaneses no país é cada vez mais forte, actuando em áreas como a distribuição alimentar, as telecomunicações e o comércio automóvel.

Os libaneses formaram sociedades com personalidades locais bem colocadas que abrem portas e evitam problemas. Ou seja, funcionam como facilitadores e asseguram que os negócios correm num registo de tranquilidade.

O seu controlo da distribuição, sobretudo a alimentar, é apontada como um travão ao desenvolvimento da produção nacional, na medida que os seus sócios angolanos, pessoas influentes, contribuem para manter o “status quo”.

Ao contrário dos chineses ou dos portugueses, que contam com o apoio institucional do seu Governo, os homens de negócios libaneses não contam com qualquer apoio de natureza diplomática. Nem são parte de uma estratégia desenhada pelo Estado, tendo como pano de fundo o fortalecimento de uma posição de influência regional, como por exemplo acontece com Pequim.

A ideia de que a influência dos libaneses em Angola resulta de uma acção concertada não é consensual. “Diria que o grau de influência é casuístico. Ou seja, em alguns casos particulares pode acontecer. Globalmente, não existe de todo uma influência sistémica na economia ou na política”, afirma um especialista em assuntos de segurança ao Negócios.

Na opinião deste interlocutor, “a questão libanesa foi muito empolada por casos específicos em que rivais nos negócios e na política se acusaram dessas ligações querendo potenciar o dano reputacional causado pelo facto da ideia dos libaneses estarem ligados à problemática do islamismo radical, em particular do grupo xiita tido como patrocinador do Hezbollah e outros com directa ligação ao tráfico de droga como crime organizado ou como forma de financiamento do terrorismo”.

INFLUÊNCIA NO GOVERNO OU DESENVOLVIMENTO ORGÂNICO?

A realidade, aliás, é múltipla. Em 2011, o governo angolano expulsou do país o cidadão libanês Ali Tajideen, dono Grupo Arosfran, acusado de envolvimento no financiamento de actividades terroristas. Em 2020, a libanesa Africell Global, foi declarada pelo Governo como a vencedora do concurso público para a atribuição da quarta licença de operadora de telecomunicações em Angola. A empresa está já presente em quatro países africanos: Gâmbia, República Democrática do Congo, Serra Leoa e Uganda. E em março deste ano, o governo retirou à empresa portuguesa A1V2 a fiscalização da construção do acesso ferroviário ao novo aeroporto internacional de Luanda, entregando-a à libanesa Dar.

Esta empresa é detida por Ramzi Klink, que foi membro da administração da Fundação Eduardo dos Santos. O empresário é descrito, ao site Maka Angola, por um antigo colaborador do ex-presidente, neste termos: “Tinha uma relação muito próxima e estranha com José Eduardo dos Santos. Ele demitia ministros. Os ministros da construção passavam mal com ele. Nada andava nesse sector sem a Dar. Detinha o monopólio.”

Há também quem aponte comportamentos cartelizantes de empresários libaneses no decurso dos leilões que têm sido realizados pelo Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado, no âmbito do programa de privatizações, contando com alguns apoios institucionais.

Apesar destes cruzamentos, susceptíveis de criar um clima de suspeição, há quem afaste grandes teorias conspirativas sobre a influência dos libaneses na economia angolana.

“A comunidade tem crescido mais devido ao desenvolvimento orgânico do que devido a negócios escuros ou canais de tráficos”, garante a mesma fonte.

O Líbano viveu em guerra entre 1975 e 1990 e voltou a ser dominado pela instabilidade a partir de 2006, situação que perdura até hoje e que faz com que o país esteja numa situação de colapso económico. Este contexto fez crescer a emigração. Calcula-se que o Líbano tenha actualmente na diáspora 20 milhões de pessoas, 200 mil em África, das quais 100 mil na Costa do Marfim. Em Angola estima-se que vivam entre três a quatro mil libaneses. 

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