“TODAS AS RELAÇÕES TÊM UM SIGNIFICADO POLÍTICO SINGULAR”
Na breve entrevista ao Jornal de Angola, alusiva ao 30º aniversário das relações entre Angola e os Estados Unidos da América, José Patrício partilhou momentos ímpares do percurso da diplomacia entre os dois países
PORTAL O LADRÃO
Como foi representar Angola nos Estados Unidos da América, num momento complexo da relação entre os dois países?
Não foi fácil, tendo em conta o contexto de Guerra Fria em que ainda nos encontrávamos e os preconceitos ideológicos.
O Governo angolano era rotulado de Comunista, Marxista-Leninista pela ligação à Cuba e à, então, União Soviética (hoje, Federação Russa), fazendo parte da chamada lista negra de países com os quais não mantinham relações diplomáticas.
Era preciso um trabalho apurado e profissional para combater os estigmas ideológicos, através de uma nova postura aberta e dialogante que transmitisse confiança e seriedade.
Do ponto de vista do apoio incondicional, a América era a “sede” da UNITA e havia a guerra. Sentiu-se “desprezado” em termos diplomáticos?
Nunca me senti desprezado. Podia, isso sim, ser visto como um adversário que chegou a Washington DC a convite da Administração norte-americana pela evolução do processo negocial na busca de compromissos para uma solução definitiva que pudesse pôr fim à guerra em Angola.
Quanto à percepção de que os EUA eram o santuário da UNITA, vou fazer recurso a uma passagem do livro “Diplomacy”, de Henry Kissinger, segundo a qual, cito: “o inimigo do meu inimigo não é, necessariamente, meu amigo, não passa de um aliado circunstancial”.
Que instruções estratégicas levou para América, no sentido de concretizar os objectivos da missão?
Como não podia deixar de ser, a estratégia era manter um alinhamento com a política do Governo, que tinha demonstrado bastante seriedade e espírito de compromisso nas negociações de Bicesse que nos levariam ao acordo de cessar-fogo, formação do exército nacional único e a realização das primeiras eleições democráticas em Angola.
Sendo um quadro sénior da Presidência da República, os americanos interpretaram a minha designação para Washington como um sinal positivo do Presidente em ter uma pessoa muito próxima de si e de confiança política a desempenhar aquela missão, sob liderança directa.
Na realidade, a minha indicação para Washington criou alguma celeuma em certos círculos, por ser muito jovem para uma missão de tamanha responsabilidade.
Angola e os Estados Unidos celebraram, em 2023, o 30º aniversário das relações bilaterais. O que representa para si e para os angolanos?
Para os angolanos, esta data do 30º aniversário que celebrámos representa motivo de satisfação, ao constatar que os níveis das relações de amizade e cooperação aumentam e se fortalecem.
Para mim, pessoalmente, é motivo de satisfação e orgulho por ter sabido interpretar as orientações que me eram transmitidas e por fazer parte do grupo de diplomatas, políticos e militares que, em diferentes etapas, levantaram bem alto a bandeira da nossa diplomacia em processos negociais tão complexos, que dariam para escrever uma Enciclopédia de Ciências Políticas e Relações Internacionais.
Que significado político atribui hoje a estas relações?
Todas as relações entre dois Estados têm um significado político singular, porque unem países e abrem o caminho a uma cooperação baseada em acordos e convénios de vária natureza.
No caso concreto dos Estados Unidos, partilhámos, também, laços de consanguinidade que a história certifica e, mesmo quando ainda não tínhamos relações formais, já desfrutávamos de uma cooperação dinâmica no domínio dos hidrocarbonetos e não só.
Como olha para a América, tendo em conta a forma como iniciaram as relações bilaterais?
Temos que olhar para os Estados Unidos da América como a grande superpotência que é, e pelo papel e influência que tem nos organismos internacionais, particularmente como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
No contexto da política internacional, o mundo está completamente mudado. Não é mais como na altura em que desempenhou as funções nos Estados Unidos. Que aspectos continuam a ser prioridade, até hoje, nestas relações?
A prioridade das prioridades é o respeito pela soberania, integridade territorial e identidade dos nossos Estados e povos. Este é o principal pilar a preservar na relação com qualquer Estado.
O resto é manter relações com vantagens recíprocas e respeitar as convenções internacionais que nos vinculam.
O Presidente da República, João Lourenço, manifestou a pretensão de alargar a cooperação no sector da Defesa e Segurança, com a compra de armas e equipamentos para as FAA. Pela experiência que tem dos Estados Unidos, crê que a iniciativa pode levar a uma cooperação mais sólida, a nível da indústria militar angolana?
A cooperação no domínio da Defesa e Segurança não se resume somente à compra de armamento. Ela já existe, actualmente, no âmbito de exercícios militares conjuntos de natureza humanitária, prontidão médica militar, programas de intercâmbio terrestres e aéreos, desminagem e destruição de armas em Angola.
Não quero com isto dizer que a cooperação não se possa estender ainda mais, incluindo, claro está, questões relativas à modernização das Forças de Segurança e Defesa angolana.