A BANALIZAÇÃO DAS MEDALHAS E A REFLEXÃO ANEDÓTICA DA TPA- CARLOS ALBERTO

A reflexão feita hoje, 14, por Neto Júnior, administrador de conteúdos da TPA, no espaço Mais Domingo, sobre as condecorações do Presidente da República, deixa evidente o esvaziamento jornalístico de um tema que exige rigor e espírito crítico. Neto limitou-se a realçar o gesto simbólico de reconhecimento ao mais alto nível, detendo-se no instante em que alguns aproveitam trocar uma palavra rápida com João Lourenço.
Para o jovem comunicador, a curiosidade pública estaria em saber o que o Chefe de Estado diz ao condecorado naquele momento. Uma visão que, sendo emitida num espaço jornalístico e não num programa de entretenimento, se reduz ao anedótico e perde a oportunidade de questionar o essencial: o que significam, afinal, estas medalhas?
Ironia do destino: o próprio Neto Júnior foi um dos distinguidos na 5.ª cerimónia de condecorações dos 50 anos da Independência, realizada na semana passada, onde 743 personalidades foram homenageadas — 100 com a medalha da classe Independência e 643 com a da classe Paz e Desenvolvimento. No total, até ao momento, 1.598 personalidades nacionais e estrangeiras já receberam medalhas no âmbito das comemorações. E os números não param: está já agendada para os dias 29 e 30 de Setembro uma nova cerimónia, com mais 759 homenageados.
A este ritmo, a distinção deixou de ser distinção: passou a ser um carimbo cerimonial, previsível e automático. A crítica pública não se fez esperar: activistas, académicos e até vozes do próprio MPLA denunciam a ausência de critérios claros e a mistura de perfis incompatíveis, em que vítimas e carrascos de episódios trágicos como o 27 de Maio são colocados lado a lado, como se a História pudesse ser lavada com uma fita no peito.
É este o ponto central que faltou na análise de Neto Júnior: não interessa tanto o murmúrio do Presidente ao entregar a medalha, mas sim o silêncio ensurdecedor em torno das escolhas. Quem decide quem merece? Qual o critério? Que méritos são valorizados? Há transparência na selecção? Ou trata-se apenas de uma tentativa de encher listas para fabricar popularidade no fim de mandato? O público já percebeu que a notícia não é quem foi condecorado, mas quem ficou de fora — porque a lógica dominante é a da proximidade partidária. Todos os que orbitam à volta do MPLA ou de grupos de influência interna têm “garantida” a sua vez no palco.
O mais grave é que, em vez de reforçar a autoridade moral da Presidência, estas cerimónias minam-na. Condecorar em massa, sem rigor, sem distinção real, transmite a imagem de um poder que improvisa, que não tem estratégia de valorização dos recursos humanos, que usa símbolos como muletas políticas. E, quando alguns já recusam receber as medalhas, fica claro que o gesto deixou de honrar e passou a constranger.
Se a intenção era humanizar João Lourenço, o resultado foi o inverso. O povo esperava ver o Presidente indignado e firme, por exemplo, perante a execução sumária de uma mulher indefesa, morta de costas ao lado do filho por um efectivo da Polícia Nacional, nos recentes tumultos, por causa da subida impopular do preço do gasóleo. Esse teria sido o momento de verticalidade, de responsabilidade, de proximidade real com o sofrimento dos cidadãos. O PR João Lourenço não exigiu responsabilização a ninguém. Não exonerou ninguém. Não mandou abrir inquéritos. Aí, o silêncio foi total. E esse silêncio pesa mais do que mil medalhas.
Por outro lado, os defensores destas condecorações insistem em apresentá-las como celebração dos 50 anos da Independência. Mas é difícil acreditar nisso quando se nota improviso, ausência de biografias verificadas e até suspeitas de indicações feitas “num ambiente de bar”. É a própria memória nacional que se banaliza. E, se há quem pense que distribuir medalhas conquista votos, engana-se: a juventude — mais de 60% da população angolana — está cada vez mais descrente de gestos simbólicos e mais atenta às realidades concretas. Em 2027, não será uma medalha oferecida a um familiar que mudará a escolha de quem vive diariamente a crise económica, a precariedade, a falta de oportunidades.
As condecorações presidenciais, em qualquer parte do mundo, deviam ser reservadas a quem encarna valores de distinção, verticalidade, coragem, honestidade e contributo notável para a sociedade. Em Angola, tornaram-se uma feira de favores políticos. E, ao contrário do que alguns colaboradores e assessores vendem ao Chefe de Estado, não é enchendo listas que se ganha respeito nem eleições. O resultado é apenas um: a banalização das medalhas banaliza também a imagem do próprio Presidente.
