“O MPLA HOJE É UMA AGÊNCIA DE OBTENÇÃO DE LUGARES DE DESTAQUE NO GOVERNO E NO APARELHO DO ESTADO”

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Na “Grande Entrevista” ao Polígrafo África, o antigo membro do Conselho da República de Angola explica as razões que o levaram a abandonar as fileiras do MPLA, em 1990, depois de ter dirigido a política agrária do partido.

PORTAL O LADRÃO

Considera que a direção do MPLA tornou a organização numa agência de emprego e, embora admita que João Lourenço não teve uma herança fácil como resultado da governação de José Eduardo dos Santos, sublinha que, contrariamente aos discursos proferidos no início do mandato, em 2017, Lourenço não concretizou nenhuma mudança substancial em relação ao seu antecessor.

Em 2025, quatro dos cinco países africanos que têm o português como língua oficial, nomeadamente Angola, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe, completam 50 anos de independência. Que balanço faz do quadro geral das ex-colónias portuguesas?

Fui de uma geração que ficou galvanizada com a possibilidade de os nossos países finalmente atingirem as independências. Naquela altura sonhava que, ao fim de 50 anos, Angola e os outros países fossem países de sucesso, onde as pessoas vivessem bem, com dignidade e estivessem a caminho da satisfação das suas necessidades mais elementares. Ao fim de todo este tempo, é com bastante tristeza, para não dizer outra coisa, que verifico que apenas no caso de Cabo Verde podemos falar de uma situação em que há um mínimo de dignidade, um mínimo de bem-estar relativamente à generalidade da população. Noutros países, infelizmente, estamos muito longe de atingir uma situação daquilo que poderíamos chamar de uma vida digna.

Ao longo da luta pelas independências, tanto os nacionalistas como os movimentos de libertação venderam o sonho da prosperidade aos nativos, como acabar com as desigualdades e a pobreza. Na prática, não se alcançou o desejado. O que terá falhado?

Falharam várias coisas. Em primeiro lugar é sempre necessário dizer que a principal responsabilidade da situação que vivemos, embora seja nossa responsabilidade, dos povos que ascenderam a independência, é sem dúvida alguma o facto de os nossos países terem atingido a independência muito tarde. Se Portugal tivesse dado a independência às suas ex-colónias ao mesmo tempo que os ingleses e os franceses o fizeram, isto é, a partir do final da década de 1950 e ao longo da década de 1960, diria que seguramente a transição para a independência teria sido feita de outro modo, não teríamos os problemas que tivemos. É verdade que se poderá colocar a questão de São Tomé e o Príncipe, que não teve os problemas de guerra que Angola, Moçambique e Guiné-Bissau tiveram, mas São Tomé e o Príncipe acabou por seguir um caminho em que, de certo modo, herdou ou teve que conviver com muitos problemas que as outras ex-colónias tiveram.

Como se mensura que se as antigas colónias de Portugal em África alcançassem as independências nos períodos que citou, o nível de desenvolvimento seria diferente do actual?

Não teria havido guerra. Podemos dizer, sem medo de errar, que o principal problema que tivemos foi, primeiro, a guerra de libertação, e depois, as várias outras guerras, a civil e as de agressão. Refiro-me do caso de Angola em concreto, que teve guerras motivadas por razões que todos nós sabemos quais eram e que foram extraordinariamente devastadoras. Tivemos até a guerra mais devastadora de todas, que foi a guerra que começou depois das primeiras eleições multipartidárias de 1992. Essa guerra destruiu o pouco que restava, destruiu cidades, movimentou muita gente, provocou cerca de 3 milhões de deslocados, representando uma percentagem muito elevada da população angolana. Além da destruição física, houve a destruição muito grande do tecido económico e social. Com isso, fica evidente que não poderíamos ter uma boa situação boa ao fim de 50 anos. Mas isso não invalida o facto de nós, angolanos, também sermos responsáveis ​​por essa situação. Seja a parte dos angolanos que proclamou a independência e que se manteve no poder durante esses anos todos, quer o seu adversário político ou militar, que também teve uma trajectória que não se pode dizer que tenha sido muito brilhante.

Resumidamente, em parte, tanto o MPLA como a UNITA têm culpa no cartório da situação em que Angola se encontra?

Exactamente. Tanto o MPLA como a UNITA têm de assumir as suas responsabilidades. É verdade que depois teríamos de colocar na equação outros aspectos, como o contexto internacional da época, com a chamada Guerra Fria, que fez com que os problemas que os dois adversários tiveram fossem exacerbados. Eles não tiveram capacidade de parar, de sentar e discutir a possibilidade de fazer uma Angola pacífica. Se isso tivesse acontecido nos primeiros anos da guerra civil, é evidente que não teríamos um nível de destruição tão elevado. E é natural que quem nos esteja a ouvir, quer esteja de um lado ou do outro, dirá que as lideranças e os seus seguidores tinham uma ideologia, tinham certos objectivos, que podem ser aceitáveis, que podem ser discutíveis, mas no final, temos de ver o resultado. E o resultado é o que temos no momento.

Qual é o resultado?

De que valeu tanta guerra e tanta destruição, se hoje os adversários militares do passado já não se confrontam e convivem, com maior ou menor dificuldade, num país pacificado, digamos assim.

Qual é a sua apreciação sobre a situação socioeconómico de Angola depois de José Eduardo dos Santos ter deixado o poder em 2017?

Não posso falar da situação actual, apenas a partir de 2017, porque é preciso perceber o que aconteceu nos 15 anos anteriores, que foram os primeiros 15 anos de paz, após a assinatura dos Acordos de Luena. O que aconteceu nesses 15 anos afectou – e de que maneira – tudo o que aconteceu posteriormente. Quer estejamos a falar das questões económicas e sociais, quer estejamos a falar dos aspectos políticos e democráticos, como, por exemplo, ter chegado até aqui e não se terem realizado as eleições autárquicas previstas na então Lei Constitucional. A verdade é que, ao fim de todos aqueles anos, chegámos a 2017 e não tínhamos as autarquias, não tínhamos o poder local.

Depois de várias promessas, pode-se dizer que as autarquias não são o remédio para todos os males que o país tinha. É verdade que elas não são o remédio, mas claramente as autarquias seriam uma forma de apaziguar as tensões. Mesmo depois da guerra, as tensões políticas continuaram. A nossa sociedade ainda era uma sociedade dividida e esse facto poderia ter sido atenuado se, logo depois da assinatura do Acordo de Paz, tivéssemos, por um lado, aprovado uma nova Constituição, e por outro, iniciado imediatamente a institucionalização do poder local. Como disse, isso não aconteceu, e o país, que já tinha uma tradição de centralismo e concentração muito forte, só foi aumentando com o passar dos anos.

Além do que acaba de explicar, que outros factos ocorreram ao longo dos primeiros 15 anos em Angola que afectou todo o tecido social?

Logo depois dos primeiros anos de reconciliação e reconstrução, a produção de petróleo subiu consideravelmente, até atingir ao máximo em 2008, e o preço desse mesmo petróleo aumentou consideravelmente no mercado internacional, até atingir, se não estiver em erro, perto de 140 dólares por barril, que era quase o dobro do preço anterior. Isso criou uma atmosfera em Angola extraordinariamente prejudicial, porque quem estava no poder pensou que podia usar aquelas riquezas, não como riquezas angolanas, mas como se fossem suas. Estou a falar do Presidente José Eduardo Santos e de toda a sua entourage, que são as pessoas que o rodeavam, quer ao nível do partido MPLA, quer ao nível do Governo, como ao nível familiar. Isso impediu que Angola, durante os primeiros 15 anos de paz, pudesse ter melhorado e aperfeiçoado a democracia que estava a ser ensaiada. Isso impediu o país de se organizar do ponto de vista económica e social, com base naquilo que se poderia chamar de projectos estruturantes.

Foi o período em que Angola alegadamente se transformou em canteiro de obras…

Gastámos muito dinheiro a comprar projectos-chave na mão, fossem eles na agricultura, na indústria, na construção civil, como na habitação, com as famosas centralidades. Foram todos projectos que consumiam muito dinheiro e que não permitiam a criação ou a dinamização de outros sectores da economia. Por exemplo, a construção da Centralidade do Kilamba e outras centralidades, se tivesse sido feita com base num projecto que permitisse o desenvolvimento da indústria de materiais de construção, hoje teríamos uma capacidade de resolver o problema habitacional completamente diferente da que temos. Repito, isto é apenas um exemplo. Poderíamos dar uma série de outros exemplos na indústria e especialmente na agricultura, onde foram feitos projectos que supostamente permitiriam a produção de muitos bens, que não só não foram produzidos, como também se degradaram.

Permita-me formular a pergunta de outra forma, que país tínhamos quando José Eduardo dos Santos deixou o poder em Angola?

Quando José Eduardo Santos deixou o poder o país estava numa situação extremamente difícil. A herança do Presidente João Lourenço não foi uma herança fácil, mas, infelizmente, o Presidente João Lourenço, depois de ter explicado esta situação nos seus primeiros discursos, quando foi empossado, mas também de uma série de outros discursos que fez nos primeiros tempos, deu a ideia ou deixou claro que queria arrepiar caminho, quer em termos de democracia, e de institucionalização das autarquias, quer do ponto de vista da economia e da sociedade. Infelizmente, verificámos que isso não passava de uma ilusão. Eram promessas ilusórias. E, rapidamente, verificamos que a política do Presidente João Lourenço, na sua essência, não teve nenhuma mudança substancial em relação a José Eduardo Santos. Lembro-me, por exemplo, que o Presidente João Lourenço tinha prometido que não haveria mais centralidades, mas ele contruiu uma série de centralidades.

No caso das centralidades, não será que deu continuidade a prejectos que já encontrou em execução?

Para além daqueles que estavam em curso, e que fazia todo o sentido acabá-los, obviamente ele iniciou vários outros. O presidente João Lourenço começou a ter uma marca que me parece que caracteriza os seus mandatos, faz muita aposta em infraestruturas, mas que continuam a pecar por não serem as melhores do ponto de vista da concepção e da construção. E muitos outros aspectos estão a ficar para trás.

A que infraestruturas se refere?

O Aeroporto Internacional António Agostinho Neto, por exemplo, levou quase 20 anos para ser construído. Gastou-se tanto dinheiro como aquele que já tinha sido gasto inicialmente. Quando, me parece, que a solução que deveria ter sido encontrada teria sido construí-lo por módulos. Em vez de ter essa ideia megalómana que o nosso Governo tem, de querer sempre ter o último grito em tecnologia e no que é visível, construía-se um aeroporto por módulos, em vez de ter na primeira fase 15 milhões de passageiros por ano, poderíamos ter apenas 3 milhões, e cresceríamos sucessivamente.

Em que outro sector a realidade é semelhante?

Eu pergunto se a melhor solução para problemas de saúde é construir hospitais de topo. Num país que não se consegue resolver problemas de malária, doenças diarreicas ou doenças respiratórias, de que serve fazermos operação robótica à protética? Na minha opinião, isso não faz sentido absolutamente nenhum. É uma coisa caríssima. Então, devia-se fazer contas para ver quantas pessoas padecem de três ou quatro principais doenças do nosso país seriam salvas. Isso é o que me parece importante. Não quero dizer que pessoas que sofrem de doenças da próstata ou qualquer outra doença devam ser abandonadas. Não, não é isso que estou a dizer. Seguramente seria encontrada soluções para essas pessoas. E o número dessas pessoas é extremamente diminuto relativamente ao número extraordinariamente elevado de pessoas que padecem de outras doenças.

“Os partidos políticos não são muito transparentes, mas aqui em Angola são ainda menos transparentes e o MPLA é o pior de todos”

Até 2019, debatia-se na sociedade e no seio do MPLA que não era possível o líder do partido governante ser um e o chefe do Executivo angolano ser outro, forçando alterações nos Estatutos dos “camaradas” naquele ano. Entretanto, agora em Dezembro o MPLA realizou o seu VIII Congresso Extraordinário que, em parte, regressa ao modelo anterior. Não será que João Lourenço, sabendo que já não poderá concorrer às eleições gerais de 2027, pretende manter-se na liderança do MPLA?  

Coincidência ou não, isso aconteceu. Naturalmente que é legitimo que as pessoas possam concluir que uma coisa tem a ver com a outra, porque a mudança de posicionamento tenha sido consequência de ele [João Lourenço] ter passado a ter o domínio do partido. Num país como o nosso, em que a comunicação social está tão amordaçada, grande parte da informação que o cidadão tem acesso do ponto de vista da diversidade de opiniões é proveniente das redes sociais, embora por vezes as redes sociais provocam dúvidas relativamente a veracidade dos factos. É óbvio que ao falarmos sobre isso entramos para o capítulo da especulação, mas se tivéssemos uma comunicação social livre, ou mais ou menos livre, que na altura se pudesse discutir o assunto, obviamente que teriam aparecido opiniões diversas e divergentes sobre esse assunto. E hoje poderíamos dizer com mais segurança se aquela posição foi fruto de uma situação concreta ou de outra qualquer. Mas repito, infelizmente, até neste aspecto da comunicação social, o Presidente João Lourenço não só seguiu as mesmas pisadas do Presidente José Eduardo Santos, como, e isso não tenho dúvidas do que direi, piorou. Porque nunca a comunicação social pública esteve tão amordaçada, tão cinzenta, tão pouco qualificada como agora. Até porque, naturalmente, os melhores profissionais da comunicação social, aqueles que estão ficando incomodados com o garrote que lhes é colocado com as chamadas ordens superiores, acabam por abandonar, e ficam na comunicação social pública aquelas pessoas que ou são mais incompetentes ou não têm força suficiente, não têm vontade suficiente para se opor e acabam por tomar uma posição como fica assim.

Objectivamente, que comentário tem a fazer sobre o VIII Congresso Extraordinário, um conclave que serviu também para alterar os Estatutos do partido?

Esse VIII Congresso Extraordinário do MPLA foi uma decepção. Foi um golpe na credibilidade ou na falta de credibilidade do MPLA e do próprio presidente João Lourenço, porque ninguém minimamente inteligente aceita algo que não era aceitável em 2019, passa a ser aceitável em 2024, e ainda por cima sem nenhuma explicação. A gravidade do problema é essa. Ainda poderíamos pensar assim, pois bem, na abertura do Congresso o presidente do MPLA vai dar uma explicação de por que em 2019 defendeu uma coisa e agora vai defender outra. Ele não deu explicação nenhuma. E isso é muito negativo. É muito negativo, repito, para a credibilidade geral do país. O presidente João Lourenço lançou uma mancha muito feia sobre os congressistas, porque não tiveram a ousadia de questionar algo que parece óbvio. Deixe-me puxar aqui a colação de uma outra situação, o constitucionalista Raúl Araújo, que foi um dos homens que esteve por trás de quase todos os processos constitucionais do país até há muito pouco tempo. A própria Constituição de 2010 ele foi um dos autores, declarou publicamente que era ilegal o que se estava a fazer no VIII Congresso Extraordinário com a mudança dos Estatutos.

O MPLA não é transparente?

Os partidos políticos, em geral, em todo o mundo, não são muito transparentes. Mas aqui em Angola são ainda menos transparentes. E o MPLA é o pior de todos. Porque não há transparência nenhuma.

“Acho que é muito difícil, para não dizer quase impossível, o MPLA ganhar as eleições de 2027”

Esteve ligado ao MPLA até 1990. Fez parte do partido que governa Angola há quase 50 anos, tendo assumido cargos intermédios, uma vez que foi director nacional do Ministério da Agricultura e, também, director do departamento de política agrária do MPLA. O que levou a deixar o MPLA?

Em primeiro lugar foi o facto de ter achado que os partidos políticos, fossem eles quais fossem, não tinham condições para que eu, com as minhas características pessoais, ser militante de qualquer um desses partidos. No caso concreto de Angola, do MPLA, da UNITA ou de qualquer um dos outros que surgiram depois da abertura em 1991. Eu deixei de me ver em qualquer partido porque a minha militância ininterrupta durante cerca de 16 anos me fez pensar que eu não deveria aceitar que a minha vontade fosse submetida à vontade de terceiros quando eu estava seguro de que a vontade desse terceiro estava errada.

Terá vivido uma situação embaraçosa que o forçou a deixar o MPLA?

No MPLA fui director do departamento de política agrária, como tal, preparei decisões da direcção do partido, do Bureau Político e do Comité Central, que depois não foram cumpridas. Isso não me agradou. Não me agradou o modo como determinadas decisões eram tomadas, apesar das evidências que foram colocadas na mesa e que, por razões que nunca foram explicadas, não foram levadas em conta. Então, pela minha experiência, pela minha leitura do panorama internacional, eu achava que não deveria permanecer em nenhum partido. Essa foi a grande decisão. E a partir daquele momento, a partir de 1990, comecei a pensar que poderia fazer a mesma coisa que tinha aspirado fazer no Governo, no MPLA e no partido, que era lutar por um modelo de desenvolvimento agrícola mais correcto do que o que estava sendo implementado. Por isso, juntamente com outras pessoas, criamos uma associação não governamental, denominada Acção Para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA).

Foi membro do Conselho da República no primeiro mandato do Presidente João Lourenço. Como é que o abordava sobretudo quando fossem temas sociais que menos lhe agradavam?

Esta pergunta já me foi feita várias vezes e tenho recusado a comentar aquilo que se passava quer nas reuniões do Conselho da República, quer nos encontros bilaterais que tinha com o Sr. Presidente da República. Ecticamente não é correcto falar sobre isso. A única coisa que posso dizer, e penso que não tem problema nenhum, é que algumas das propostas e sugestões que fiz foram acolhidas e outras sugestões e propostas não foram acolhidas, o que é normal. Portanto, as coisas passaram-se assim.

O MPLA governa Angola desde a sua independência, em 1975. Olhando para o actual quadro social angolano, acredita que o partido dos “camaradas” formará Governo nos próximos dois pleitos eleitorais?

Se olharmos para os resultados eleitorais ao longo do período que vem desde 2008, que foram as primeiras eleições sem o fantasma da guerra, podemos verificar que o MPLA está a perder votos à medida que os pleitos eleitorais vão tendo lugar. E nas últimas, em 2022, obteve apenas 51%. Perante isso, é natural que se pense que o MPLA não conseguirá atingir 50% dos votos nas próximas eleições de 2027.

Mas não atingir 50% dos votos não significa linearmente que fica impedido formar Governo.

Evidentemente que pode ser governo mesmo que não alcance 50% dos votos. Por enquanto, estou apenas dizer que poderá não conseguir os 50%. Obviamente se a regressão for a mesma, vai ter 41%, e aí vai ser um pouco mais difícil formar governo. De qualquer forma, não foi isso que eu quis dizer. O que quis dizer é que, além da perda de votos, sentimos que o MPLA está a perder credibilidade e simpatia na medida que o tempo passa. E mesmo no interior do MPLA começam a surgir situações que eram impensáveis ​​há 10 ou 20 anos.

Que situações?

Por exemplo, aparecer um membro do Comité Central que diz publicamente que as coisas não vão bem e que está disposto a assumir uma candidatura de oposição ao candidato que for indicado pelo Bureau Político, que tudo indica será o Presidente João Lourenço. Depois desta anomalia da bicefalia que se viveu nas últimas semanas. Outro exemplo, se quiserem, são os militantes do MPLA que aparecem publicamente dando entrevistas a questionar o funcionamento do partido, a questionar popularidade do partido. Isso era impensável há alguns anos. Agora começa a acontecer, mas infelizmente, mais uma vez, a nossa comunicação social pública não mostra esse tipo de coisas, mas hoje é impossível esconder essas situações. Acho que é muito pouco inteligente da parte da direcção do MPLA estar a travar isso. Isso só aumenta o descrédito que o MPLA tem no seio da população.

Pelas razões que mencionou, acredita que o MPLA vencerá as eleições gerais de 2027?

Por todas essas razões que acabei de referir, acho que é muito difícil, para não dizer quase impossível, o MPLA ganhar as eleições de 2027. No entanto, temos que ter em conta um aspecto que é fundamental, enquanto órgãos fundamentais para garantia da lisura do processo estiverem partidarizados com base nos resultados de eleições passadas, e não na base da situação actual, estou a falar de organismos como o Tribunal Constitucional, a Comissão Nacional Eleitoral, a [Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana] ERCA e uma série de outras instituições ou entidades que continuam a ser controladas pelo MPLA, e não restam muitas dúvidas de que isso vai pesar muito nos resultados das eleições de 2027. Não adianta os dirigentes do MPLA dizerem que estou a especular, que isso não vai acontecer. É evidente que vai acontecer. Repito, andamos aqui há muitos anos e sabemos como essas coisas funcionam. Portanto, pessoalmente não acredito. Agora, deixe-me dizer algo, o MPLA pode tentar adiar essas situações por mais algum tempo, mas isso é uma atitude pouco inteligente, porque vai chegar o dia em que isso acabará. Não é possível, não há na história nenhum caso de um partido que tenha se eternizado no poder. O que vejo no MPLA actual, em termos de ideologia e práticas, é um partido que não tem nada a ver com o MPLA de 30 ou 40 anos atrás.

“O MPLA hoje é uma agência de obtenção de lugares de destaque, quer no Governo, quer no aparelho do Estado”

O que lhe parece o MPLA actual?

Hoje o MPLA é uma agência de emprego. É uma agência de obtenção de lugares de destaque, quer no Governo, quer no aparelho do Estado, quer em outras instituições, inclusivamente em instituições da sociedade civil. Sabemos que há instituições da sociedade civil que são tratadas de modo que militantes do MPLA consigam ganhar as eleições. Esse tipo de situação vai chegar a um ponto em que não vai mais dar para continuar. E vai ser muito mau para o país.

O que deve o MPLA fazer para mudar a sua imagem?

Seria muito mais patriótico fazer algo que eu tenho defendido, principalmente nos últimos 10 anos, que é o MPLA tomar a iniciativa de fazer um pacto nacional para resolver os graves problemas do país. O MPLA se recusa a admitir que esses problemas existem. O que é certo é que esses problemas sérios que Angola tem hoje são os mesmos que tínhamos há 20 anos. Pobreza, fome, assistência médica, crianças fora do sistema educacional, qualidade do ensino, diversificação da economia. Esses são os mesmos problemas que não se consegue porque não se resolve o problema fundamental, é a partidarização das instituições.

MAS LEGALMENTE ANGOLA DEIXOU DE SER UM ESTADO MONOPARTIDÁRIO EM 1991, COM OS ACORDOS DE BICESSE…

O MPLA recusa-se a fazer recurso às capacidades intelectuais, físicas, morais, seja lá o que for, da sociedade angolana. E acabamos por ver em lugares-chave pessoas que não têm capacidade, não têm experiência, não têm sequer espírito patriótico, conhecimento da realidade do país, para assumirem aqueles lugares. Não é por acaso que ouvimos a todo o momento pequenas remodelações governamentais. Ministros por pouco tempo, às vezes caímos no ridículo de ficarem lá por seis meses. Vamos ver os conselhos de administração de grandes empresas. Quase todo ano há mudanças. Isso não é possível. Assim não se constrói país nenhum. Não estou a defender que as pessoas têm de ficar lá por 30 ou 40 anos, como Salazar esteve, ou certos líderes africanos. Mas tem de haver alguma continuidade para que as pessoas possam desenvolver suas tarefas, seus programas, e depois serem responsabilizadas pelo sucesso ou insucesso de tal programa. Não é com um ou dois anos que isso pode acontecer. Esses são os problemas que o MPLA se recusa a admitir que são problemas reais e que precisamos encontrar soluções.

Polígrafo África

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