“ANGOLA: 48 ANOS DE CONTRIBUIÇÃO ACTIVA PARA A PAZ E ESTABILIDADE EM ÁFRICA”

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Ao celebrar 48 anos desde a sua admissão à Organização das Nações Unidas, Angola destaca-se como um pilar fundamental na promoção da paz e resolução de conflitos no continente africano. Nesta conversa, exploramos as iniciativas diplomáticas lideradas pelo Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço, que, à frente da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), tem impulsionado esforços em prol da estabilidade e do progresso em África

O Estado angolano foi reconhecido e admitido, em Dezembro de 1976, na Organização das Nações Unidas. De lá para cá, que balanço se pode fazer das relações entre os dois entes, e sobretudo depois do alcance da paz?

Desde a sua admissão a membro de pleno direito da Organização das Nações Unidas a 1 de Dezembro de 1976, a República de Angola tem participado activamente na abordagem das grandes questões, sobretudo as relativas à paz e segurança internacionais, o desenvolvimento sustentável, alterações climáticas, juventude e mulheres e, mais recentemente nas discussões sobre a reforma do Conselho de Segurança.

É crescente a afirmação e o reconhecimento do papel e da influência de Angola no contexto internacional à medida que o país desempenha um papel diplomático cada vez mais assertivo e dinâmico, incluindo nas organizações regionais e continental, com vista à consolidação da paz e segurança em África, tendo em conta a sua experiência na prevenção, gestão e resolução de conflitos.

Angola considera importante o reforço da multipolaridade, nomeadamente através da busca de soluções colectivas para os problemas continentais e globais na base do direito internacional, reconhecendo um papel central à União Africana (UA) e às Nações Unidas. Neste sentido, foi membro não permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas em duas ocasiões, nomeadamente em 2003-2004 e 2015-2016. Na primeira presença, Angola acabava de alcançar a paz, em 2002, e esteve muito em partilhar a sua experiência na resolução pacífica de conflitos e reconciliação nacional.

A próxima possibilidade de Angola voltar ao Conselho de Segurança só poderá ocorrer no período de 2035-2036 se adoptar uma estratégia para ser candidato da África Austral nas eleições de Junho de 2034.  

Angola co-fundadora da Comissão da Consolidação da Paz das Nações Unidas, criada em Maio de 2006, tendo o seu Representante Permanente junto das Nações Unidas, Embaixador Ismael Gaspar Martins, sido eleito como o seu primeiro Presidente em Junho do mesmo ano. Esta decisão surgiu como reconhecimento do sucesso do processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração e da consolidação da paz e reconciliação nacional de Angola.

Dos feitos do país na ONU ao longo desses 48 anos, destacamos também o facto de o país ter servido como Vice-Presidente da Assembleia Geral das nas Nações Unidas em três ocasiões, nomeadamente na 51ª, 60ª e 61ª Sessões das Nações Unidas. Nesta 79ª Sessão, aparece pela quarta vez como um dos Vice-Presidentes. Angola nunca assumiu a posição de Presidente da Assembleia Geral, que cabe a África a cada cinco anos.

Em Junho de 2022, Angola foi eleita Vice-Presidente e Relatora Geral da Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, realizada em Lisboa, Portugal.

Por outro lado, foi ainda membro do Conselho dos Direitos Humanos de 2007 a 2010, 2011 a 2013 e 2017 a 2019 tendo ocupada as funções de Vice-Presidente do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas em 2011 e presidiu o Grupo Africano no Conselho de Direitos Humanos. O país tem procurado manter uma presença activa na organização projectando cada vez mais o nome de Angola.

No seu discurso, no dia 23 de Setembro, durante a 79 ª Assembleia-Geral, o Presidente da República, João Lourenço, disse que espera que a Cúpula do Futuro contribua para que haja uma maior coordenação na governação económica global, tendo em vista a redução das desigualdades entre os Estados e a promoção de um desenvolvimento sustentável e sustentado. Está a ONU consciente e preparada para este repto?

À margem do debate geral da 79ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, os Chefes de Estado e de Governo adoptaram por consenso o Pacto do Futuro e seus anexos – Pacto Digital Global e o Pacto das Futuras Geração, durante a Cimeira do Futuro – como novos compromissos políticos a fim de acelerar a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e redobrar os esforços para a edificação de um mundo mais pacífico, justo e inclusivo.

O documento defende um incremento da cooperação internacional, baseado no respeito pelo direito internacional e numa abordagem comum para a gestão de riscos e desafios e a realização de oportunidades presentes e futuras.

Os líderes mundiais reconheceram que o sistema multilateral e as suas instituições, com as Nações Unidas num papel central, devem passar por um profundo processo de reformas para serem mais consentâneos com um mundo em permanente mudança, para responder à situações como o aumento do fosso entre ricos e pobres, a divisão digital, as mudanças climáticas e a complexidade de questões inerentes à manutenção da paz e segurança internacionais.

O Pacto do Futuro, no qual Angola desempenhou também um papel activo no processo de negociações, assenta em cinco pilares, nomeadamente desenvolvimento sustentável; paz e segurança internacionais; ciência e tecnologia; juventude e gerações futuras e transformação da governação global e constitui uma demonstração da capacidade das Nações Unidas para abordar as questões multilaterais da actualidade.

O quadro de Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável entre Angola e a Organização das Nações Unidas, para o período 2024-2028 prioriza as áreas da Saúde, Educação, Igualdade de Género, Energia Renovável, Protecção Ambiental, Desenvolvimento Económico inclusivo e governação eficaz. Que tem a dizer, Senhor Embaixador?

O quadro de cooperação das Nações Unidas representa o compromisso colectivo do Sistema das Nações Unidas em apoiar Angola na implementação da sua agenda de desenvolvimento com base nessas áreas nacionalmente prioritárias, incluindo a aceleração dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o cumprimento das suas obrigações internacionais.

O documento está ancorado nas prioridades nacionais de desenvolvimento definidas no Plano Nacional de Desenvolvimento (2023-2027) e na estratégia de longo prazo “Angola 2050”; bem como na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e na Agenda 2063 da União Africana.

O ministro das Relações Exteriores, Téte António, reafirmou, em tempos, o apoio de Angola às reformas do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Quais as nossas propostas?

As autoridades angolanas, ao seu mais alto nível, têm reiterado a necessidade de reformas do Conselho de Segurança de modos a torná-lo mais representativo para que possa reflectir a realidade mundial.

Considerando as propostas em curso para a reforma do Conselho de Segurança da ONU, qual é a posição específica de Angola sobre a ampliação de membros permanentes, não permanentes e de que forma o país tem defendido o aumento da representatividade africana nesse órgão?

O mundo está cada vez mais complexo e numa dinâmica de grandes transformações. Esta realidade exige uma reforma do Conselho de Segurança para que este seja capaz de cumprir a sua responsabilidade primária de manutenção da paz e da segurança internacionais e representar melhor e de forma equilibrada os interesses de todos os Estados Membros da ONU, nomeadamente de África, da América Latina e de uma parte da Ásia.

De notar que quando a ONU foi criada a 24 de Outubro de 1945, apenas quatro países africanos independentes estiveram presentes (África do Sul, Egipto, Etiópia e Libéria). Hoje a África está representada nesta organização internacional por 54 Estados membros.

Hoje, mais de 80% das questões constantes da agenda do Conselho de Segurança dizem respeito ao continente africano. Entretanto, a África é o único continente que não está representado no centro de decisão de um dos principais órgãos das Nações Unidas na categoria de membro permanente, uma injustiça histórica que urge corrigir.

Angola defende uma reforma do Conselho de Segurança com base na Posição Comum Africana plasmada no Consenso de Ezulwini e na Declaração de Sirte. A mesma prevê dois assentos permanentes e cinco não permanentes para o continente africano num Conselho de Segurança alargado, de modo a permitir uma representação equitativa que respeite a actual configuração do mundo.

Quais os desafios mais críticos que o senhor identifica nesse processo e como o país tem articulado a sua posição dentro da União Africana e da ONU?

O desafio crítico no âmbito do Processo Intergovernamental para a reforma do Conselho de Segurança reside na incapacidade de os Estados Membros encontrarem um modelo convergente de reforma que satisfaça os interesses de todos os grupos regionais. Existem divergências fundamentais, básicas, como o nível de alargamento de 15 para 20 ou 25 membros; os novos membros permanentes terão ou não direito a veto; enquanto ainda existem países que defendem a manutenção do status quo.

Apesar deste quadro complexo, os Estados-membros continuam a trabalhar na busca de solução que responda à necessidade de se alcançar esta reforma do Conselho de Segurança. Na última sessão das negociações intergovernamentais realizadas em 2023, os países concentram a sua atenção na apresentação de propostas de modelos de configuração para o futuro Conselho de Segurança. Este ano prevê-se a continuidade destas consultas intergovernamentais para a identificação de pontos de convergência e de divergência, num esforço diplomático visando aproximar posições e contribuir para um consenso entre as partes.

Diz-se que Angola é um dos países sub-representados e até mesmo mal representados no que diz respeito aos quadros dentro da organização. Que estratégias existem para inverter o quadro?

De facto Angola é um dos países sub-representados no sistema das Nações Unidas. A estratégia de Sua Excelência João Manuel Gonçalves Lourenço, Presidente da República, visa inverter este quadro com a inserção de quadros angolanos nas organizações internacionais.

A Missão Permanente de Angola Junto das Nações Unidas está a trabalhar o Secretariado da ONU na identificação de oportunidades para a consecução de tal estratégia, através de concursos públicos, programas de profissionais juniores, estágios ou nomeações políticas, sempre que possível.

Neste sentido, registámos no dia 13 de Novembro último, na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova Iorque, a eleição do Ministro Conselheiro MakieseKinkela Augusto a membro da Unidade Conjunta de Inspecção do Sistema das Nações Unidas (JIU) para o período de 2026 a 2030, o que representou uma vitória da diplomacia angolana.

O papel da ONU na mediação de conflitos: “No contexto das recentes crises internacionais, incluindo os conflitos no Sahel e no Leste da RDC, qual a avaliação de Angola sobre a eficácia da ONU na prevenção e resolução de conflitos, e como o país acredita que as Nações Unidas podem melhorar o seu papel de mediador nas guerras em África?

A arquitectura internacional de paz e segurança é cada vez mais confrontada com novos e complexos desafios transnacionais à medida que assistimos a um aumento das tensões globais e ao maior número de conflitos violentos desde a Segunda Guerra Mundial.

A manutenção da paz tem sido afectada pela falta de consenso no Conselho de Segurança, em resultado do surgimento de tensões geopolíticas e da rivalidade contemporânea entre grandes potências.

O tema das operações de paz das Nações Unidas tem sido amplamente debatido. Como consequência, novos conceitos têm sido introduzidos ao longo dos anos para melhorar a sua eficácia, incluindo da paz sustentável, da nova agenda para paz e da participação das mulheres e dos jovens.

Em 2020 foi apresentado o projecto “O Futuro das Operações de Paz” para avaliar como as operações de paz seriam constituídas no futuro, tendo sido realizadas extensivas consultas com os principais actores e a sociedade civil. Em 2023, foi lançada a Nova Agenda para Paz, uma iniciativa estratégica abrangente que identifica os desafios actuais e apresenta soluções para corrigir as deficiências.

As operações de manutenção da paz da ONU são um instrumento essencial para proteger os civis em situações de conflito e promover activamente estratégias de paz e segurança a longo prazo. No entanto, o apoio internacional a estes está a diminuir, exigindo que se adaptem urgentemente a estas dinâmicas diplomáticas e de segurança em evolução, a fim de poderem cumprir eficazmente os seus mandatos.

Precisamos de colmatar o fosso cada vez maior entre os mandatos de manutenção da paz da ONU e o que as missões podem realisticamente realizar no terreno, para uma melhor gestão das expectativas das autoridades do país anfitrião e dos cidadãos. Só assim evitaremos a sua crise de legitimidade e a consequente saída antecipada forçada, como vimos no Mali e à República Democrática do Congo (RDC).

A contribuição de Angola na procura de solução para os conflitos no continente africano é manifestamente conhecida. Como podemos capitalizar esse estatuto de “país pacificador” para atrair atenção, interesse e investimento?

Angola tem sido bastante referenciada pela sua contribuição na prevenção, gestão e resolução de conflitos em África. De facto, o país tem posto ao serviço de África a sua longa experiência em matéria de resolução de conflitos nomeadamente por via das iniciativas diplomáticas de Sua Excelência João Manuel Gonçalves Lourenço, Presidente da República de Angola, a favor da paz e estabilidade no continente, particularmente enquanto Presidente em exercício da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL).

Dado o seu empenho diplomático, o Chefe de Estado angolano granjeou o respeito dos seus pares, tendo sido designado “Campeão da União Africana para a Paz e a Reconciliação em África” na Cimeira Extraordinária de Chefes de Estado e de Governo da União Africana sobre Terrorismo e Mudanças Inconstitucionais de Governo realizada em Malabo, Guiné Equatorial, em 28 de Maio de 2022. Na mesma ocasião, recebeu o mandato para mediar o conflito diplomático entre a RDC e o Rwanda, um esforço que está a ser efectuado no quadro do Processo de Luanda.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas tem expressado o seu apoio às iniciativas diplomáticas angolanas para a paz na Região dos Grandes Lagos, nomeadamente no Leste da RDC. Angola tem mantido uma política de estabilidade e abertura para investimentos estrangeiros. Evidentemente que o seu papel pacificador aumenta a sua influência na arena internacional e constituiu um factor de mobilização de investimento directo estrangeiro não só a nível nacional, mas também regional, do qual o Corredor do Lobito, esta ponte para o comércio global, é um dos exemplos mais evidentes.

Algumas das principais potências mundiais estão, em casos específicos, determinadas a impor, de forma unilateral, a sua própria visão aos outros, com base nos seus próprios interesses e prioridades nacionais. Como a ONU poderá ser “um árbitro competente” para evitar que alguns Estados façam “bullying” aos outros?

As implicações das tensões geopolíticas sempre estiveram presentes no trabalho nas Nações Unidas, resultado de divergências entre membros permanentes do seu Conselho de Segurança como os Estados Unidos da América (EUA), Rússia e China. Porém, nos últimos dois anos, os seus efeitos intensificaram-se e numa vertente marcadamente negativa, com consequências graves para o funcionamento e a credibilidade desta organização internacional.

Apesar de reconhecermos a pressão política das grandes potências sobre determinados países, a nível das Nações Unidas as questões são negociadas com base no princípio da igualdade entre os Estados. A Assembleia-Geral é principal órgão deliberativo no qual os países têm direitos iguais no processo de votação e agem de acordo com a sua própria soberania. 

Na arena internacional os Estados-membros actuam para defender e promover os seus interesses a fim de alargar o seu espaço de influência política. Neste exercício, as Nações Unidas constituem, assim, a principal plataforma global para a resolução de diferendos e conflitos e a promoção do desenvolvimento económico e dos direitos humanos, bem como para abordagem de desafios novos e emergentes como as alterações climáticas, as pandemias, a inteligência artificial e o espaço sideral.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas, que há décadas se tem revelado cada vez mais limitado e impotente face aos actuais desafios de prevenção, resolução e manutenção da paz e estabilidade internacional. Não é perigoso este status quo?

Nas últimas décadas, o Conselho de Segurança tem revelado uma ineficácia preocupante, colocando em risco o seu papel fundamental de assegurar a paz e segurança internacionais. O seu ambiente ficou substancialmente mais afectado desde 2022 com a redução da confiança mútua, a deterioração do ambiente negocial e o uso de uma linguagem áspera e divisiva nas suas sessões de trabalho.

Entretanto, esta situação permitiu o aumento do papel da Assembleia-Geral da ONU em questões relativas à paz e segurança internacionais. Os dois exemplos mais recentes foram a 10ª e 11ª Sessão de Emergência da Assembleia-Geral para deliberar sobre a situação na Palestina e na Ucrânia.

Segundo a Carta das Nações Unidas, a Assembleia-Geral pode fazer recomendações sobre os princípios gerais de cooperação para a manutenção da paz e segurança internacionais, incluindo o desarmamento, e para a resolução pacífica de qualquer situação que possa prejudicar as relações amistosas entre as nações. Por outro lado, pode discutir qualquer questão relativa à paz e segurança internacionais e fazer recomendações se o Conselho de Segurança não estiver a fazê-lo naquele específico momento.

Hoje constitui motivo de grande preocupação o facto de o Conselho de Segurança registar impasses sucessivos em questões prementes sobre a paz e segurança internacional. Por outro lado, frequentemente as suas decisões não são implementadas. Nestas circunstâncias, as possibilidades de se alcançarem consensos políticos afiguram-se cada vez mais incertas, levando à paralisação quase completa do Conselho de Segurança.

O que impede reformar o Conselho de Segurança das Nações Unidas, para que possa reflectir fielmente a realidade geopolítica actual, que é bastante diferente do período pós-Segunda Guerra Mundial, a partir de 1945?

A reforma do Conselho de Segurança é uma questão extremamente complexa e sensível. No quadro da reforma existem cinco questões principais: categorias de membros, a questão do veto, a representação regional, o tamanho do Conselho ampliado e os métodos de trabalho.

Desde a sua criação em 1945, o Conselho de Segurança das Nações Unidas passou por uma única reforma, em 1965, quando o número de membros não-permanentes passou de 4 para 10. Entretanto, quase 60 anos depois dessa reforma, os membros das Nações exigem uma mais abrangente e inclusiva.

Entretanto, existem inúmeros factores que emperram a reforma do Conselho de Segurança, incluindo a problemática do veto e os interesses divergentes dos vários grupos regionais, incluindo o Grupo Africano, Grupo Unidos para o Consenso, G4, Grupo Árabe e outros, que não sendo capazes de convergir nos seus interesses, inviabilizando assim a aprovação de uma reforma consensual.

As missões de paz da ONU no continente não correspondem às expectativas devido à sua duração prolongada e aos seus elevados custos de funcionamento. Há uma estratégia diferente na forja?

A “Nova Agenda para a Paz”, lançada em 2023, é um dos vários documentos políticos no qual o Secretário-Geral das Nações Unidas apresenta uma nova visão para os próximos anos que reflicta o mundo de hoje e preserve o multilateralismo. O Pacto do Futuro, adoptado em Setembro de 2024, também congrega um capítulo específico sobre a paz e segurança que aponta o caminho e a estratégia a seguir para uma nova geração de operações de paz, fundamentalmente voltada para um maior espaço de actuação das organizações regionais e continentais.

Senhor Embaixador, explique-nos a modalidade de funcionamento do Mecanismo A3 (membros africanos não permanentes do Conselho de Segurança da ONU), que testemunha o facto de África ser o único continente a dispor de uma plataforma de cooperação e colaboração para promover, articular e defender posições comuns sobre questões de paz e segurança?

O bloco de três Estados africanos eleitos no Conselho de Segurança das Nações Unidas – conhecido por A3 – reforçou o seu estatuto e influência diplomática desde a criação da União Africana (UA) em 2002 e o início da parceria entre esta e a ONU. Este mecanismo visa assegurar que as decisões tomadas pelo Conselho de Paz e Segurança da União Africana sejam defendidas e promovidas a nível do Conselho de Segurança da ONU.

Embora as questões africanas não tenham sido tradicionalmente controversas no Conselho de Segurança, as crescentes tensões geopolíticas entre os seus membros requerem uma acção diplomática mais unida do A3 para ajudar a quebrar impasses geopolíticos e promover acções colectivas.

Actualmente o mecanismo é conhecido por A3+ a partir da altura em que passou a ser constituído pelos três países africanos e um das Caraíbas membros não permanentes do CSNU, sendo actualmente a Argélia, Moçambique, Sierra Leone e Guiana.

A sua unidade foi fundamental na adopção da resolução 2719 (2024) do Conselho de Segurança sobre o “Financiamento das Operações de Apoio à Paz Lideradas pela União Africana”, que prevê, dentro de certas condicionantes, o financiamento adequado, flexível, previsível e sustentável        das Nações Unidas às operações de apoio à paz da União Africana.

Em 2005, foi adoptado o Consenso de Ezulwini pela União Africana, que propõe pelo menos dois assentos permanentes para a África no Conselho de Segurança da ONU. De acordo com o Consenso, compete à União Africana a escolha dos países que representarão o continente e os critérios para essa selecção. Como se vai proceder?

A abordagem que temos seguido é discutir cada questão no seu devido tempo. Primeiro vamos assegurar os dois assentos permanentes para África num Conselho de Segurança reformado. Depois, o continente terá sabedoria e maturidade para decidir quem serão os seus dignos representantes no Conselho de Segurança. 

A Declaração de Sirte, na altura por parte da Organização da Unidade Africana, é um documento que levou ao lançamento da União Africana (UA) e o relançamento da integração no continente. Efectivou-se a primeira, mas falta a segunda. Que dizer?

O processo de integração no continente tem como objectivo permitir que a África desempenhe seu papel legítimo na economia global, nomeadamente abordando as questões sociais, económicos e políticos multifacetados, que têm sido afectadas por certos aspectos negativos da globalização. O mesmo está a decorrer paulatinamente. A criação da Zona de Livre Comércio Continental Africana, cujo acordo entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2021e visa criar a maior área mundial de comércio livre, aprofundar a integração comercial africana e inaugurar uma nova era de desenvolvimento no continente, representa um passo firme nessa direcção. 

Apesar das barreiras colocadas pelos conflitos armados, que limitam o comércio intra-africano e mobilidade das pessoas e bens, os cinco blocos económicos regionais estão a trabalhar, cada um a seu ritmo, para consolidar as suas respectivas integrações regionais. Posteriormente o processo certamente evoluirá a passos firmes para as integrações inter-regionais a nível do continente.

Os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável são um apelo global à acção para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Em que é quê a ONU está a falhar?

Os Objectivos de Desenvolvimento Sustentáveis é um conjunto ambicioso de metas para melhorar a vida das pessoas no mundo e proteger o planeta, cuja responsabilidade de implementação é dos Governos e das administrações locais. A ONU faz o seu acompanhamento e presta assistência técnica aos Estados para a sua implementação.

A comunidade internacional já concluiu que será difícil a consecução dos ODS até 2030, por vários factores, incluindo as crises económicas e financeiras, a alta de preços dos alimentos e combustíveis, as mudanças climáticas, as guerras e um ambiente político mais instável. Portanto, todos temos responsabilidades no seu sucesso ou no seu fracasso.

A Cimeira do Futuro, um evento a nível de Chefes de Estado e do Governo realizado em Nova Iorque, de 22 e 23 de Setembro de 2024, durante a Semana de Alto Nível da 79ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), pretendeu forjar um novo consenso internacional sobre a forma de melhorar o presente e salvaguardar o futuro, nomeadamente quanto à soluções para novos desafios e a aceleração da implementação dos ODS.

Senhor Embaixador, o segundo Secretário-geral da história da ONU, Dag Hammarskjöld, diplomata sueco, dizia que as Nações Unidas “não tinham sido criadas para levar as pessoas ao paraíso, mas para as retirar do inferno”. Tem conseguido?

A ONU é uma organização de todos e para todos. É o maior espaço de concertação política mundial, onde todos os países têm a oportunidade de dialogar e tentar ultrapassar as suas diferenças. A ONU, certamente, não é um paraíso, mas é uma plataforma indispensável para evitar guerras de proporções globais como a 1ª e 2ª guerra mundial.

O espaço político que a ONU oferece é único para a defesa do multilateralismo, prevenção de conflitos, defesa e promoção dos Direitos Humanos e promoção de padrões globais de desenvolvimento.

No actual contexto, apesar das guerras em curso e aparente impotência da ONU para os resolver, é excessivo dizer que as Nações Unidas fracassaram no seu principal objectivo de preservação da paz e segurança internacionais?

Ao longo da história da ONU já ocorreram conflitos em quase todas as partes do mundo, alguns de dimensão regional. O espaço político oferecido pela ONU tem conseguido até agora evitar o surgimento de uma terceira guerra mundial.

As Nações Unidas continuam a desempenhar o seu papel diplomático e operacional estrategicamente relevante na gestão de ameaças tradicionais e emergentes à paz e segurança internacionais.

Senhor Embaixador, num mundo que tende para o multilateralismo e em que se prevê o surgimento de muitas potências regionais, como vê a ONU nos próximos 20 anos?

Neste contexto internacional de grandes desafios e oportunidades, incluindo em África, o multilateralismo permanece a melhor forma de se alcançarem consensos sobre a preservação da paz e segurança globais, a promoção do desenvolvimento sustentável e a defesa dos direitos humanos.

O processo de redefinição das alianças estratégicas globais que estamos a assistir ultimamente terá um impacto profundo e possivelmente irreversível nas relações internacionais, incluindo no ambiente negocial nos principais órgãos e blocos das Nações Unidas como o seu Conselho de Segurança que permanece a plataforma internacional mais viável para os Estados Membros, em especial as grandes potências, alinharem os seus interesses e chegarem a compromissos para o bem da humanidade.

Esta situação justifica a necessidade de uma reforma profunda a nível dos principais órgãos e instituições afins das Nações Unidas, incluindo o Conselho de Segurança e a arquitectura económica e financeira global, para que a organização internacional mantenha a sua relevância estratégica para bem de toda a humanidade.

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