CRÍTICA ÀS FALHAS DA JUSTIÇA ANGOLANA E O PAPEL DA PROCURADORIA NA CORRUPÇÃO SISTÊMICA

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A justiça angolana vive um período de profunda crise, evidenciado pela deterioração das instituições responsáveis pela defesa do estado de direito, como a Procuradoria-Geral da República (PGR). O caso envolvendo Eduarda Rodrigues, ex-diretora do Serviço Nacional de Recuperação de Ativos (SENRA), ilustra as falhas sistêmicas que corroem a estrutura jurídica e política do país. Ao invés de ser um pilar de combate à corrupção e de proteção dos direitos dos cidadãos, a PGR tem sido associada a práticas ilícitas, exacerbando a desconfiança no sistema judicial e alimentando um ciclo de impunidade que bloqueia o progresso nacional.

Eduarda Rodrigues, cuja exoneração se seguiu a denúncias de vendas indevidas de bens apreendidos pelo Estado, ilustra o colapso moral de uma instituição que deveria zelar pelo cumprimento da lei. Segundo relatos e documentos divulgados por fontes como NSISA Reflexões, o esquema liderado por Rodrigues envolvia apreensões ilegais de bens de cidadãos acusados de corrupção, sem o devido respeito ao princípio do contraditório. Esta é uma violação flagrante do artigo 32.º da Constituição da República de Angola, que garante a todos os cidadãos o direito a um julgamento justo e à defesa plena. Ao ignorar este direito fundamental, o Estado angolano não só violou a Constituição, mas também comprometeu os valores centrais de uma democracia.

Se este episódio tivesse ocorrido num país onde o estado de direito é levado a sério, a então diretora do SENRA estaria, no mínimo, a enfrentar um processo judicial que poderia culminar na sua prisão. No entanto, o fato de que nada disso aconteceu reforça a percepção de que Angola é governada por uma elite que, não só está acima da lei, mas também a manipula para seus próprios interesses. O esquema de apreensão e venda de bens sob o pretexto de combater a corrupção tornou-se, na verdade, um mecanismo de expropriação coerciva e enriquecimento ilícito por parte daqueles que deveriam estar a serviço da justiça.

A situação é ainda mais grave quando se considera que, aparentemente, essa atuação ilegal não foi um ato isolado, mas sim um reflexo de uma prática sistemática com a conivência de outros membros da justiça angolana. O artigo 255.º do Código Civil angolano estipula que qualquer ato jurídico realizado sob coação é passível de anulação. Contudo, a prática em Angola tem mostrado que os responsáveis por tais abusos raramente enfrentam consequências. A exoneração de Eduarda Rodrigues não é um sinal de combate à corrupção, mas sim uma tentativa de limpar a imagem pública da PGR, sem que os culpados sejam efetivamente responsabilizados.

Este tipo de conluio entre os magistrados do Ministério Público e outros órgãos do sistema judicial revela a natureza seletiva da justiça em Angola. Em vez de um verdadeiro combate à corrupção, temos um cenário em que certos indivíduos são escolhidos para serem perseguidos, enquanto outros, por pertencerem à elite dominante, são protegidos e até beneficiados pelos esquemas ilícitos. A venda de bens apreendidos de maneira ilegal não seria possível sem a participação ativa ou a negligência de outros altos funcionários do sistema judicial, o que demonstra a profundidade da corrupção que permeia todas as esferas do poder.

Um exemplo clássico deste tipo de comportamento foi o que ocorreu em casos semelhantes no passado, onde magistrados judiciários, em conluio com a procuradoria, expropriaram bens de cidadãos sem qualquer base legal sólida, apenas para transferi-los a terceiros de forma irregular. Essas práticas violam não apenas o Código Civil, mas também o princípio da boa-fé, que deve reger todas as relações jurídicas, conforme estipulado no artigo 762.º do mesmo código. Esta violação não apenas desacredita o sistema judicial angolano, mas também mina a confiança dos cidadãos nas instituições do Estado.

A incapacidade ou falta de vontade do sistema em punir estes crimes de forma exemplar demonstra o caráter extrajudicial das ações dos governantes, que se comportam como os piores criminosos. Como pode um país progredir quando os próprios guardiões da lei são os seus maiores violadores? Esta é a questão central que deve ser enfrentada, se Angola deseja se redimir e construir uma nação onde o estado de direito seja mais do que uma simples formalidade.

Para além do caso de Eduarda Rodrigues, há muitos outros exemplos que reforçam a tese de que a justiça angolana é uma ferramenta de repressão seletiva, manipulada por aqueles que estão no poder para manter seu domínio e controlar a riqueza nacional. Um dos aspectos mais perversos desta situação é que, enquanto muitos angolanos vivem na miséria, os que deveriam zelar pelo seu bem-estar utilizam os mecanismos do Estado para enriquecer de forma ilícita. Esta falha estrutural na administração da justiça leva à perpetuação da desigualdade e impede qualquer possibilidade real de desenvolvimento social e económico.

O combate à corrupção em Angola, tal como tem sido conduzido, é meramente cosmético. Ele permite que certos indivíduos sejam sacrificados enquanto os verdadeiros criminosos – aqueles que detêm o poder – continuam a agir impunemente. Enquanto a justiça for seletiva e o sistema judicial permanecer corrompido, Angola estará condenada a uma estagnação permanente. A reforma do sistema judicial, portanto, não é apenas uma necessidade urgente, mas uma condição essencial para que o país possa avançar no caminho do progresso e da verdadeira justiça.

Conclusivamente, é fundamental que Angola adote reformas profundas e eficazes no seu sistema de justiça, que garantam a independência dos tribunais e a responsabilização daqueles que se encontram no topo da hierarquia do poder. Apenas através de um compromisso sério com a transparência, a legalidade e a ética será possível restaurar a confiança pública e assegurar que o país possa, finalmente, seguir em frente.

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