CRISE ALIMENTAR LONGE DOS HOLOFOTES DOS MARIMBONDOS
A actual crise social apresenta “tendências de agravamento” capazes de vir a conduzir a reacções “extremadas”. Entre os factores considerados nos cenários de agravamento tendencial da situação actual são apontados o crescimento desmesurado da procura de emprego (1.000.000 de indivíduos atingem anualmente 18 anos); e uma estagnação ou mesmo decrescimento da capacidade de emprego, em parte atribuída à ausência de boas condições de recuperação de sectores com mais vasta capacidade de absorção de mão-de-obra, entre os quais a agricultura (AM 1454).
Os mais recentes dados oficiais (INE) do desemprego e da inflação apontam para uma continuação da degradação das condições de vida de grande parte da população. No 1ºT, a taxa de desemprego aumentou 0,5 ppc em relação ao trimestre anterior, para 32,4%, o nível mais elevado dos últimos três anos.
Paralelamente, a inflação estabilizou em AGO. em 30,5%. A inflação anual em Luanda foi de 41,6%, o nível mais alto desde DEZ.2016 e 11,4 ppc acima da média nacional (AM 1459). A desvalorização do kwanza (AOA) tem contribuído para a subida pronunciada da inflação nos últimos meses, com consequências nas condições de vida da população (AM 1418). O impacto é apontado no sector social como mais grave do que previsto inicialmente. Os preços dos produtos alimentares e não alimentares continuam a subir para níveis mais elevados do que se esperava anteriormente (AM 1423).
O governo tem vindo a denotar maior atenção às dificuldades no acesso a alimentação por parte de famílias de menores rendimentos, mas algumas medidas adoptadas têm acentuado a crise, nomeadamente restrições a importações de bens alimentares, com objectivo de proteger produção local.
A categoria de alimentos e bebidas continua a subir acima da inflação geral (+9ppc), sendo a que mais contribui para a subida do índice geral (60%), de segundo dados estatísticos. Os preços ao consumidor em Luanda mantêm-se bastante acima das outras províncias (11,4 ppc, em média), exercendo um efeito de contágio por tratar-se do principal mercado do país.
No sector financeiro, são geralmente avaliadas como tíbias e ineficazes as medidas do Banco Nacional de Angola (BNA) e do Ministério das Finanças (MF) para resolver os desequilíbrios no mercado cambial, onde se mantém uma escassez relevante de divisas, e que coloca sob pressão o kwanza, alimentando pressões inflacionistas. O intervalo entre as taxas de câmbio oficiais (c. AOA 924/ 1 USD em AGO.) e paralelas, mantém-se em c. 30% (AM 1469). Desde o início de MAI, o kwanza desvalorizou mais 10% após alguns meses de relativa estabilidade.
Embora o ritmo de aumento da inflação tenha desacelerado, os preços dos alimentos básicos permanecem altos e deverão subir ainda mais nos próximos meses devido à recente desvalorização cambial. A inflação mensal dos alimentos tem diminuído desde fevereiro, mas a dependência de importações, combinada com a recente desvalorização do kwanza pressiona em alta.
Num contexto de elevados preços alimentares, a dependência em relação ao mercado por parte de famílias no sul e no leste afetadas pela seca é identificado como de elevado risco por agências no terreno. Com os stocks alimentares de muitas famílias esgotados, a situação de crise deve persistir até JAN.2025.
Cunene, Cuando Cubango, Moxico, Huíla e partes das províncias de Benguela e Namibe estão entre as mais afetadas pela seca e dependentes de assistência alimentar. Além dos relatos de fome nessas áreas afetadas pela seca, os altos preços dos alimentos limitam a capacidade de acesso à alimentação de famílias muito pobres noutras áreas rurais e urbanas.
As condições de seca dos solos e a falta de sementes, além das importações de fertilizantes pendentes, também deverão afectar nos próximos meses a produção da agricultura familiar, além das oportunidades de trabalho agrícola, e consequentemente o rendimento e capacidade de aquisição das famílias pobres.
Os aumentos significativos no salário mínimo, em vigor desde 15.SET para compensar a inflação – aumentos de 45-100% – deverá beneficiar a capacidade de compra de algumas famílias a operar na economia formal. Contudo, grande parte da agricultura é totalmente informal, pelo que os salários practicados não seguem os termos legais, mitigando o efeito real da medida.
Grande parte da população na zona afectada pela seca deverá continuar dependente de ajuda humanitária, nomeadamente na Huíla e no Cunene. Contudo, permanece incerto o alcance da ampliação da ajuda alimentar humanitária nos próximos meses. O governo denota maior preocupação em retirar a crise alimentar do foco mediático, de modo a não afectar a sua imagem. AVISO: O conteúdo de África Monitor é confidencial. Destina-se apenas aos subscritores e para seu próprio uso. Não pode ser publicada ou de forma alguma distribuída. Direitos de autor propriedade de Monitorius Lda.