A INCOMPETÊNCIA DE QUEM GOVERNOU E GOVERNA O BENGO
Caxito está sob alçada das leis da mãe-natureza, que dominam a intenção dos homens de impor desafios e vontades a seu bel-prazer. Assim, a cidade, hoje, sofre de atropelos que dão uma imagem de uma verdadeira agressão aquática, com chuvas que a tornam vulnerável a inundações um pouco por todo o lado, porque a urbe está localizada num extenso vale.
PORTAL O LADRÃO
Agora sim, é uma verdadeira cidade da água, com perfil único. O rio Dande e o canal de irrigação atravessam-na à jusante, confinando Caxito num centro de infra-estruturas modernas e precárias, estas últimas, sobretudo residências de adobes que acodem milhares de famílias, parte delas, hoje, desalojadas, pois as últimas enxurradas ocorreram esta semana.
A água é mesmo o denominador comum, constituindo por um lado riqueza e, como não podia deixar de ser, um empecilho à calma e tranquilidade quando inunda a urbe. A abertura das comportas do Aproveitamento Hidro-eléctrico das Mabubas, cuja albufeira tem capacidade de enchimento de 42 metros de altura, numa área de 7 mil e 500 quilómetros quadrados, que armazena 62 milhões de metros cúbicos de água quando chove muito, foi o suficiente para suplantar o dique de protecção e alagar zonas ribeirinhas do rio Dande. Muita água num curto espaço de tempo.
As grandes chuvas, que se fazem sentir desde Novembro último, constituem outra fonte de abastecimento para diferentes reservatórios do precioso líquido a céu aberto, em zonas planas de difícil escoamento e infiltração, particularmente, a periferia do casco urbano, com o desenho de becos e casas precárias sobrepostas, que não facilitam a passagem das águas, antes acumulam-nas.
A estrada nacional n.º 100, que atravessa a cidade, serve, igualmente, de dique de protecção. No sentido ascendente, do lado direito, apresenta um espectáculosuis generis, com inúmeras lagoas das chuvas, preenchidas com cobertura de folhas de árvores e capim, que se pode ver à entrada da localidade de Kirindo, segue-se Quixiquela, frente ao SIAC e do lado oposto; simplesmente espaços que testemunham o quão volumoso têm sido as descargas esporádicas de São Pedro.
É difícil medir o caudal do rio Dande nesta altura do ano. A velocidade da água é impressionante e apresenta uma coloração de lodo; especialistas alertam para a degradação e empobrecimento dos solos, sobretudo das zonas ribeirinhas, com consequências para a agricultura, potencial que o Bengo não abdica, já que é das províncias com maior produção de proventos do campo, com predomínio da banana, hoje por hoje, fruto de angariação de cambiais em África e na Europa.
O ALERTA DAS ZONAS RIBEIRINHAS
No trajecto do açude (obra de engenharia para controlo do caudal) ao Porto Quipiri, o rio Dande, quando com níveis fora do normal, alaga extensos terrenos aráveis, num desafio às populações ribeirinhas, que fazem esforços de contenção e controlo sem resultados práticos. Em alerta permanente, localidades como o Porto Quipiri, Quinjanda, Surilo, Capunga, Quissari e Kirindo estão supostamente por escassos metros fora da zona vermelha. A geografia destas localidades facilita, porque é constituída por corredores em planos inclinados, que dificultam o ascendente das águas, sempre que o pior acontece no leito do rio.
Aqui a contrariedade prende-se com as zonas baixas e margens, propícias para a produção de alimentos, nesta altura do ano sem serventia para tanto, muito pela água que invade estes espaços. Outra anomalia prende-se com a fraca infiltração dos solos, mesmo quando a correnteza diminui.
A localidade de Kirindo, mais acima no sentido Porto Quipiri-Caxito, tem particularidades. Um pequeno vale, antes da ponte de 51 metros de comprimento e 9,5 de largura, acumula muita água das chuvas, um transtorno natural, que faz com que os locais tenham que usar de artimanhas e a alternativa, por vezes, é o transporte por canoas, para chegar à ponte que facilita a travessia para o famoso bairro.
O mesmo não acontece no Bula e Caboxa, à saída da capital do Dande, simplesmente duas localidades com risco de passarem à história. As constantes inundações, a que se junta um grosso de casas precárias, das quais despontam as de adobe, são permeáveis a água que as enfraquece e as derruba. O perigo está sempre iminente e à espreita. Daí o próximo destino ser, igualmente, o bairro 25, se bem que os resistentes com amor fraterno ao bairro, a exemplo de Manuel Miguel, por sinal o presidente da comissão de moradores, mantêm a ideia de permanecer no sítio onde nasceram e produzem riqueza.
RUMO AO BAIRRO 25
A mudança para o bairro 25, sempre na comuna das Mabubas, é um imperativo para o curto prazo, numa organização e orientação da Administração Municipal do Dande, que entrega aos sinistrados lotes de terreno de 25 por 15 metros para a auto-construção dirigida de moradias em espaços elevados, longe do risco das inundações.
Da localidade do Cauango para o bairro 25, distam, se tanto, cinco quilómetros. Esta última, antes com pouca expressão e notoriedade, é hoje um dos pontos que alardeia fama, em consequência do plano de emergência do Governo Provincial do Bengo, que visa reassentar as populações acossadas por catástrofes naturais desde finais de Novembro de 2023.
Os números dão conta que perto de 500 famílias foram as primeiras que deram o passo rumo à comodidade geográfica, numa mudança para melhor em termos de construção de futuras moradias em auto-construção dirigida. Por outro lado, o acesso aos locais de trabalho não fica na contramão, com facilidades de acesso ao transporte público e privado para o centro da cidade do Jacaré Bangão.
Infelizmente, a 14 de Fevereiro último, depois do desfile dos grupos carnavalescos, segundo o administrador municipal, Domingos Lourenço, cargas pluviométricas (que caíram durante quatro horas) inundaram mais de 500 casas, com o desabamento confirmado de 50 nos bairros Kitonhe, Kinguxi e Quixiquela. A catástrofe deu azo à mobilização da linha da frente, com governantes, bombeiros, forças da ordem e população para, uma vez mais, acomodar os sinistrados no bairro 25 e no Sassa povoação.
OPINIÃO
Caxito tem pontos elevados e de eleição para a auto-construção dirigida. Bem aproveitados seria a solução para contornar as barreiras e constrangimentos das catástrofes naturais. Nesta linha, seria de bom tom, já no novo começo, apostar-se em bairros verdes, com arborização de suporte ao desabamento de terras e sucção de águas. O eucalipto seria aqui um vegetal a ter em consideração.
Há bons exemplos que dão para aferir. A centralidade do Bukula é apenas um caso, mas podem surgir mais pontos elevados para a construção de domicílios em espaços geográficos com características que impeçam acidentes naturais. Há que impedir a construção em zonas de risco, pautando-se por boas práticas e o devido cumprimento da lei e da ordem.
A voz da razão mais as leis da natureza, uma vez mais apelaram a que as normas tenham de ser cumpridas. Acredito que com o novo começo, as populações reassentadas terão uma visão mais circunspecta sobre perigos iminentes quando usamos o trungungu e, sem conhecimento de quem de direito, retalhamos terrenos e, com o vil metal sempre em mente, enveredamos para o lucro fácil.
A vida em comum obedece a regras e elas valem para o colectivo, a comunidade, o bairro, enfim, para todos. Sobrepor o individual ao colectivo é entrar em conflito com a lei.