O SORRISO FALSO ENTRE ANGOLA E PORTUGAL PREJUDICA RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS
O “irritante” que ensombrou as relações luso-angolanas há 11 anos tornou-se público quando o estatal Jornal de Angola considerou o inquérito-crime sobre o envolvimento de altos dirigentes angolanos em crimes de branqueamento de capitais como “prejudicial às relações” bilaterais.
Em causa estava a abertura de uma investigação do Ministério Público português a três altos dirigentes do regime angolano – Manuel Vicente, então vice-presidente de Angola e ex-administrador da petrolífera Sonangol; o general Hélder Vieira Dias, mais conhecido como ‘Kopelipa’, ministro de Estado e chefe da Casa Militar do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos; e Leopoldino Nascimento, consultor do general ‘Kopelipa’ – por suspeitas de crimes económicos, mais concretamente indícios de fraude e branqueamento de capitais.
A notícia da abertura do inquérito-crime tinha sido avançada pelo semanário Expresso.
As ondas de choque tornaram-se mais evidentes quando em 15 de outubro de 2013, o então Presidente angolano José Eduardo dos Santos, anunciou em Luanda o fim da parceria estratégica com Portugal, durante o discurso sobre o estado da Nação, na Assembleia Nacional de Angola.
“Só com Portugal, as coisas não estão bem. Têm surgido incompreensões ao nível da cúpula e o clima político atual, reinante nessa relação, não aconselha à construção da parceria estratégica antes anunciada”, disse então José Eduardo Santos.
Portugal e Angola tinham previsto realizar, em Luanda, em fevereiro de 2014, a primeira cimeira bilateral, cuja realização tinha sido anunciada um ano antes pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros português, Paulo Portas.
Na passagem do tempo, o “irritante” perdeu força e passou a ser considerado um “caso de soberania”, da exclusiva responsabilidade da justiça portuguesa, como definiu na entrevista que deu esta sexta-feira à Lusa o Presidente de Angola, João Lourenço.
Em novembro de 2017, o primeiro-ministro António Costa, que visita Angola neste domingo e segunda-feira, considerou que o “único irritante” nas relações com Angola tem a ver com uma questão “da exclusiva responsabilidade” da justiça portuguesa, que não pode influenciar a política externa.
“Ficou claro que o único irritante que existe nas nossas relações é algo que transcende o Presidente da República de Angola e o primeiro-ministro de Portugal, transcende o poder político, e tem a ver com um tema da exclusiva responsabilidade das autoridades judiciárias portuguesas”, vincou então António Costa.
Os primeiros tempos anos da suspensão da parceria estratégica “congelada” por José Eduardo dos Santos foram complicados e fizeram vir ao de cima os fantasmas nascidos em 11 de novembro de 1975, quando Angola ascendeu à independência, que Portugal apenas reconheceu em 22 de fevereiro de 1976, com o estabelecimento de relações diplomáticas em 09 de março desse ano.
Entre 06 e 13 de outubro de 2013, dois dias antes de José Eduardo dos Santos “congelar” a parceria estratégica, o Jornal de Angola dedicou três editoriais e cinco artigos de opinião às relações luso-angolanas.
Onze anos depois do “irritante” se ter tornado público e notório, os dirigentes dos dois países têm-se esmerado em deixar na poeira da história esses desencontros.
Em 17 de setembro de 2018 o primeiro-ministro António Costa inicia uma visita oficial de dois dias a Angola, durante a qual procurará retomar rapidamente os níveis anteriores a 2014 nas relações económicas e normalizar os contactos bilaterais político-diplomáticos.
Esta visita oficial do primeiro-ministro a Angola aconteceu após um período de impasse político entre os dois países.
Só na sequência da decisão judicial de transferir o processo de Manuel Vicente para Luanda, em maio passado, é que as visitas de alto nível de Estado deixaram de estar suspensas por determinação do Governo angolano.
Já no plano económico, com a quebra dos preços do petróleo nos mercados internacionais a partir de 2014, Angola entrou em recessão, o que diminuiu de forma significativa o valor das suas transações com Portugal (cerca de 40% até 2017). A partir do final de 2017, no entanto, Angola começou a apresentar sinais de recuperação.
Na terça-feira, após a reunião entre João Lourenço e António Costa, os dois governos assinaram cerca de uma dezena de acordos, entre os quais uma convenção para o fim da dupla tributação e um memorando para a progressiva regularização de dívidas de entidades públicas angolanas a empresas portuguesas, cujo montante global se estima entre os 400 e os 500 milhões de euros.
Em 22 de novembro de 2018, João Lourenço efetuou uma visita de Estado de três dias a Portugal, que se pode considerar como relação causa-efeito do desanuviamento das relações bilaterais em virtude do Tribunal da Relação de Lisboa ter enviado o processo de Manuel Vicente para as autoridades judiciárias angolanas, como era pretensão do próprio chefe de Estado angolano.
Na ocasião, o primeiro-ministro António Costa disse que a visita de João Lourenço “restabelece a normalidade de uma relação que é muito frutuosa de parte a parte e que tem de continuar e desejavelmente deve prosseguir sendo aprofundada”, citando o próprio Presidente angolano.
O funeral de José Eduardo dos Santos foi mais uma oportunidade, e pretexto, para aproximar os dois países, com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a representar o Estado português nas exéquias.
Marcelo regressou a Angola três meses depois, para a posse de João Lourenço para o segundo mandato presidencial.
O “irritante”, esse, tinha passado definitivamente à história.